Crítica: Bergman – 100 anos

Crítica: Bergman – 100 anos

Documentário de Jane Magnusson aposta em formato seguro mas faz um retrato apropriadamente complexo do cineasta sueco Ingmar Bergman

Imagem do filme Bergman - 100 anos

É possível resumir um grande artista aos seus feitos artísticos? Esse é um dos questionamentos que acompanham o desenrolar do documentário Bergman – 100 anos, dirigido por Jane Magnusson e lançado a tempo do centenário do diretor sueco Ingmar Bergman. Responsável por uma pletora de filmes aclamados, como O Sétimo Selo, Gritos e Sussurros e Fanny & Alexander, Bergman era também uma figura complexa e acima de tudo humana, algo que o documentário de Magnusson felizmente compreende – não há uma intenção de canonizá-lo, mas sim desmistificá-lo através de uma série de relatos (alguns bastante reveladores) sobre sua postura profissional, suas relações dentro e fora dos sets e os mistérios por trás de sua fúria criativa.

Apesar de uma execução um tanto quanto protocolar, Bergman – 100 anos não hesita em mergulhar – ou pelo menos botar um pé – em questões bastante intrigantes sobre o retratado, que na narração de Magnusson “só poderia fazer filmes sobre ele mesmo”. No caso de Fanny & Alexander, essa qualidade autobiográfica é logo posta em cheque: Bergman diz ter inspirado a figura do pastor abusivo em seu próprio pai, enquanto o irmão do diretor contesta em plena televisão, em um material inédito que é incluído no documentário. É uma situação dentre tantas outras, mas a partir deste ponto Bergman – 100 anos assume perspectivas mais fascinantes, menos preocupadas em laurear o diretor pela enésima vez do que investigar seu psicológico e respeitar a complexidade de seu ofício enquanto autor/diretor.

Visto por muitos como um gênio e uma figura quase divina, Bergman era um sujeito cheio de inseguranças, muitas das quais são abordadas por Magnusson com sobriedade. Focando em seu prolífico ano de 1957, em que realizou O Sétimo Selo e Morangos Silvestres, o filme faz paralelos entre a gênese de sua grande carreira e as décadas seguintes, marcadas por obras-primas mas também pelo comportamento cada vez mais autoritário do diretor. Bergman é chamado de ‘predador’, sem mais nem menos, por um dos atores que dirigiu no final de sua carreira no teatro – o que fica entre a autoria e o autoritarismo? Ainda no mesmo tema, é abordada brevemente a simpatia do jovem Bergman por Adolf Hitler, apoio que se tornou motivo de profundo arrependimento para o cineasta sueco.

Se este último parágrafo está estruturalmente confuso, pode-se dizer que este também é um dos maiores problemas de Bergman – 100 anos: apesar de reconhecer a impossibilidade de sintetizar um homem como Ingmar Bergman, o vai e vem entre temas e épocas acaba por tornar a experiência um bocado difusa, especialmente para quem não é versado na filmografia e vida do diretor. Talvez o problema seja inerente ao objeto de estudo, eternamente confuso e por isso mesmo irrefreável em sua busca por respostas no cinema. Além disso, sua fúria criativa parece ser alimentada pelo reconhecimento de seus maiores defeitos – Bergman era rabugento, extremamente ciumento e teve relacionamentos problemáticos -, mas nunca se tratou de uma busca por perdão. É possível separar o artista de sua arte, mesmo depois de tantas más experiências? Essa é mais uma pergunta que o filme felizmente não responde.

É uma pena que Bergman – 100 Anos não ouse em buscar sua própria personalidade enquanto filme, apostando no arroz com feijão do cinema documental – a trilha musical é completamente intercambiável, os poucos voice-overs que narram as cartas de Bergman são estoicos -, pois se o documentário acaba por abordar uma variedade de temas intrigantes sem aprofundá-los, pelo menos atinge um poder de permanência justamente por abordá-los com certa parcimônia, deixando os maiores questionamentos para o espectador. Nesse sentido, Bergman – 100 anos pode proporcionar uma experiência densa para os cinéfilos mais curiosos, especialmente aqueles que se veem, mesmo em uma realidade alternativa, criando e realizando seus próprios filmes. Mas caso arriscasse mais em sua forma, o filme de Magnusson poderia ter sido uma obra essencial.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.