Crítica: Black Mirror (4ª Temporada)

Crítica: Black Mirror (4ª Temporada)

Black Mirror volta com uma temporada que, com fortes protagonistas femininas, navega por temas bastante diversos

De quantas séries que renovam suas temporadas a cada ano (ou dois anos) podemos notar tamanha consistência na qualidade de seus episódios? É definitivamente algo para se contar nos dedos. Aparentemente, a britânica Black Mirror está se incluindo em um grau de consideração televisiva impressionante, visto que seu criador e roteirista Charlie Brooker conhece muito bem seu público e as expectativas deste. Sobre a quarta temporada, é possível sim que a opção temática de alguns episódios, junto à elaboração de suas respectivas críticas sociais, não tenham agradado ou mesmo surpreendido a todos, mas é impossível negar que a qualidade geral da obra, desde a proposta à execução, continua sublime.

A série, obviamente, continua tratando de temas como as possíveis (e prováveis) consequências do avanço tecnológico presente nas relações humanas do século XXI. Mas como segundo plano, aposta em questões complexas e subjetivas, como por exemplo a justiça com as próprias mãos, que apesar de ser bem vista por parte de seu público, também serve para criticar o próprio ponto de vista do expectador, que é condicionado a defender as atitudes das vítimas, esquecendo que por fim, o agressor também acaba se tornando uma.

Esse tipo de acontecimento fica bem evidenciado em dois dos episódios mais comentados da temporada, USS Callister e Black Museum. No primeiro, uma mulher acorda em uma nave espacial (cheio de referências à Star Trek), e lá, todos os tripulantes parecem saudar e adorar seu temível capitão, que na verdade usou o DNA de pessoas para incluí-las dentro de seu jogo, simulando reações e consciências reais. Já no segundo (em ordem o último da temporada), acompanhamos outra mulher, que por sua vez adentra um museu onde o proprietário a conta histórias sobre alguns de seus artefatos (desenvolvimento que lembra muito o episódio especial de natal White Christmas, lançado em 2014).

Um dos episódios mais apagados da temporada é Arkangel, dirigido pela premiada Jodie Foster, que embora garanta uma boa direção, cansa o expectador ao longo do desenrolar preguiçoso de sua trama. A história é simples e sua crítica direta. No episódio, vemos logo nas primeiras cenas uma mãe que perde sua filha de vista por alguns minutos, mas que logo a encontra. Esse trauma a faz investir em uma nova tecnologia que a permite ter total controle sobre sua filha, sabendo onde ela está, e até ver exatamente o que ela está vendo naquele momento.

Crocodile é um episódio que acerta na condução de seu suspense, mas que por outro lado se perde em sua mensagem, tornando difícil o entendimento do público para com a intenção de seu roteiro. Neste episódio, vemos o passado de uma mulher voltar a assombrá-la quando uma ajustadora de seguros, utilizando uma máquina de memórias, passa a entrevistar pessoas sobre um acidente. O maior mérito do episódio está na ótima atuação da experiente Andrea Riseborough, que além de cativante com suas expressões faciais tensas, consegue realmente entrar em seu personagem e incorporar o papel de uma protagonista com medo de ser descoberta. A ótima escolha de planos e a direção de arte também surpreendem.

Para os já fãs da série, aviso que os interessados nas relações afetuosas podem ficar tranquilo, pois a série continua com um ótimo passeio sobre o tema, e de forma gratificante. Para quem não sabe ou nunca percebeu, Black Mirror sempre deixou claro que a importância de sua temática tecnológica é tão grande (e está tão relacionado com) quanto as adversidades dos relacionamentos amorosos.

Podemos perceber que cada temporada tem ao menos um episódio inteiramente focado na relação entre dois amantes. Na primeira temporada, tivemos o fortíssimo The Entire History of You; na segunda, fomos surpreendidos com o ótimo Be Right Back; e na terceira tivemos o prazer de contemplar o tocante San Junipero (que possui um êxtase visual tão belo como Nosedive). Nesta quarta temporada, fomos presenteados com Hang the DJ, uma história sobre um novo aplicativo de encontros, que seleciona através de um perfil aprofundado, encontros amorosos com pessoas que podem ou não combinar com você, com a finalidade de por fim determinar um “parceiro ideal”. Demonstrando sabedoria ao trazer o amor como um sentimento espontâneo e não uma razão alcançável por dispositivos tecnológicos, o episódio já figura entre um dos favoritos do público, dados seu ótimo roteiro e sua agradável direção.

Por último mas não menos importante, o episódio mais dinâmico e angustiante da temporada é sem dúvidas Metalhead. Com uma fotografia em preto e branco e uma protagonista competente, o episódio chama a atenção com seu ambiente futurista e distópico. No episódio, somos levados a acompanhar a sobrevivência de uma mulher diante de um perigoso robô capaz de destruir a tudo e todos. O episódio é uma boa observação para o já tão comentado fato de que o homem pode construir aquilo que irá destruí-lo.

Podemos comparar os elementos de ação contido em Metalhead com o quinto episódio da terceira temporada, Men Against Fire, mostrando que Charlie Brooker e os produtores da série procuram manter um tipo de vínculo entre as temáticas das temporadas que se desenvolve por meio de subgêneros. Ainda que todos os episódios se apoiem na presença de dispositivos high-tech, seria possível sem esforços definir uma espécie de classificação de gênero para cada episódio. Se Metalhead é o episódio de ação, USS Callister seria possivelmente a ficção científica, Arkangel um drama, Crocodile um suspense, Hang the DJ um romance, e Black Museum um misto de drama com aventura da temporada.

Black Mirror consegue, de maneira fantástica, expôr explicitamente através de protagonistas femininas (todos os episódios da quarta temporada são protagonizados por mulheres) questões como o egoísmo, a ambição (USS Callister e Black Museum), a preservação do “eu” e os instintos de sobrevivência (Crocodile e Metalhead). Episódios como Hang the DJ e Arkangel possuem boas qualidades ao traçar questionamentos sobre como as pessoas buscam sempre facilitar suas vidas, tentando se desfazer o máximo possível de quaisquer desafios que possam aparecer.


Trailer

https://www.youtube.com/watch?v=TO7WqjxODw4

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.

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