Crítica: Blade Runner 2049

Crítica: Blade Runner 2049

Denis Villeneuve se consolida como um mestre de seu estilo com o ótimo Blade Runner 2049

Nem todos são fãs absolutos de Blade Runner – O Caçador de Andróides. Há quem ame, há quem odeie e há muitos mais que se encontram em cima do famoso muro. E isso é ótimo, pois o longa original de Ridley Scott não poderia ser menos polarizador com seus temas existenciais e um estilo narrativo idiossincrático. Quem melhor para recapturar isso que Denis Villeneuve, ainda mais depois de seu seminal sci-fi A Chegada?

Blade Runner 2049, felizmente, pode deixar o público com impressões mistas ao fim da sessão, com um enredo complexo que pede por múltiplas assistidas e um ritmo incomum para produções hollywoodianas de alto orçamento. Seus questionamentos podem não ser tão marcantes quanto os de seu precursor e há problemas visíveis com seu roteiro e sua imponente duração, mas Blade Runner 2049 ainda se classifica como um ótimo filme.

Detalhar muito do enredo de 2049 é sinônimo de diluir a sensação constante de surpresa que o filme traz. Basicamente, seguimos o policial K (Ryan Gosling) em uma jornada cada vez mais repleta de descobertas perturbadoras, que eventualmente o colocam lado a lado com o herói (?) do filme original, Deckard (Harrison Ford). Segurem-se, afinal é um filme de Denis Villeneuve, com o qual nada é exatamente previsível.

Um dos grandes pontos positivos, de longe, são os personagens que populam essa fascinante extensão do universo imaginado por Philip K. Dick. K está entre os heróis mais belamente trágicos da década, sempre interpretado com nuance por Gosling, que também encontra espaço para o habitual charme. Já Deckard parece ter muito o que contar de seus 30 anos foragido, experiência que é comunicada com sutileza pelos olhos de Harrison Ford, demonstrando um carinho enorme por um de seus papéis mais icônicos.

No entanto, as maiores revelações do elenco estão, de fato, nas atrizes Ana de Armas e Sylvia Hoeks. A primeira esbanja charme no papel de Joi, que forma par romântico com K e é centro de algumas das cenas mais interessantes do longa. Hoeks, por sua vez, entrega uma atuação fenomenal como Luv, que transcende o papel de capanga e se torna uma memorável antagonista, intimidadora e tão trágica quanto seu alvo.

Por outro lado, Jared Leto parece quase tão avulso quanto em Esquadrão Suicida, e com ele ficam perceptíveis alguns dos problemas mais sérios do roteiro, escrito originalmente por Hampton Fancher e depois revisado por Michael Green (Deuses Americanos). Leto encarna Wallace, corporativista que retomou a fabricação de replicantes anos após a ocorrência do blecaute que a princípio os proibiu. Wallace teria sido uma figura tão intrigante quanto Tyrell não fossem por seus diálogos artificiais e uma composição excessivamente comportada. Além disso, sua participação não parece mesclar de forma orgânica com o resto do longa, algo que pode ser atribuído à edição ou um excesso de material filmado.

A sensação é de que faltou coisa, com furos básicos de lógica permeando o filme, deixando algumas cenas com um quê de inconsequência e no processo frustrando as expectativas de uma conclusão mais bem-amarrada. Isso, no entanto, ainda não distrai do fato: Villeneuve é um grande diretor e sua equipe técnica também trouxe seu melhor.

Sem medo de aparentar frio ou distanciado, o diretor franco-canadense captura com êxito a hostilidade e o isolamento dessa Los Angeles retrofuturista. Com sua decupagem tipicamente organizada, Villeneuve acerta o clima que cada cena ou interação exige, sempre permitindo que os olhos do público explorem cada um dos lindos planos compostos pelo mestre da fotografia Roger Deakins, que aqui dá aquela piscadinha para a Academia. Claro, nada disso deixaria uma grande marca sem o excelente design de produção de Dennis Gassner, que atualiza visuais sem abrir mão da atmosfera expressionista e até mesmo lúgubre do original. Para acrescentar, a montagem de Joe Walker, colaborador de Villeneuve, tem respeito religioso pela visão do diretor, mas poderia facilmente cortar alguns minutos do produto final.

E aí, temos um elemento que certamente dividirá águas: a trilha sonora de Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch. Tomando influências no trabalho de Vangelis no longa de ’82, a dupla também parece emular, ironicamente, o trabalho de Johann Johannson, que saiu da equipe apenas meses antes da estreia. Com uma batida industrial pesada e estourada, impossível não lembrar da marca de Johannson em Sicario – Terra de Ninguém, especialmente. Zimmer e Wallfisch ainda acrescentam uma boa quantidade de percussão às faixas mais agitadas, beirando o exagero de Junkie XL no aclamado Mad Max: Estrada da Fúria. Aí que tá: é bom ver que optaram por algo diferente para 2049, mas essa diferença tão grande de assinatura pode desagradar muitos. Pessoalmente, acho uma boa trilha, mas admito que estou zonzo até agora.

Agora que expressei minhas opiniões acerca do possível, devo parar por aqui e ressaltar que a experiência de Blade Runner 2049 é uma que deve ser apreciada nos cinemas e com o mínimo de conhecimento sobre sua trama. Não é um filme perfeito e nem chega aos pés do marco que foi o original, mas ainda assim ousa em ser uma história original em uma época de tantas fórmulas e repetições, contada com o tipo de fúria criativa que apenas os mestres têm. Só evitem diuréticos logo antes da sessão.


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Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.