Crítica: Capitão Fantástico
Dirigido e escrito pelo ator e cineasta Matt Ross, Capitão Fantástico é uma mistura de Pequena Miss Sunshine com Na Natureza Selvagem. Com subtemas tão curiosos quanto a trama principal em si (como críticas ao estilo consumista da sociedade e ao método de ensino nas escolas), o filme pode até parecer um tanto infantil por conta de seu nome, mas não é esse o caso. Com uma história que possui drama, comédia e romance nas medidas certas (e que até encaixa cenas de roadmovie), o longa estrelado por Viggo Mortensen (O Senhor dos Anéis, Senhores do Crime) é uma das melhores surpresas do cenário cinematográfico independente em 2016.
Capitão Fantástico conta a história de Ben Cash (Mortensen), um homem que cria seus filhos Bodevan, Kielyr, Vespyr, Rellian, Zaja e Nai no meio de uma floresta no estado de Washington. O estilo de vida deles é visto como algo completamente inaceitável para a sociedade contemporânea. Mas, apesar de serem vistos como selvagens – seja porque todos caçam seu próprio alimento ou porque se aquecem com fogueiras à noite, todos são extremamente inteligentes e tiveram uma educação “alternativa”, digamos. Ben se esforça todos os dias para promover a eles uma educação de alto nível, recheada de livros sobre física e sociologia, exercícios físicos, aulas de música, meditação e uma alimentação saudável e natural. Além de, é claro, muitas conversas na base de sinceridade, sem enrolações ou mentiras. Em poucas cenas, já somos apresentados a esse método inusitado de vida e já é possível começar a sentir empatia pelos personagens das mais variadas idades.
O ponto de virada é quando descobrimos que a esposa de Ben está internada, e toda a família se vê obrigada a deixar de lado sua isolação do mundo para, bem… ir em direção a ele. Todos embarcam no ônibus para encontrar os avós das crianças, e é aí que a narrativa começa a se desenrolar, com Ben abrindo mão da estabilidade de seu refúgio e começando a se (re)acostumar com a vida moderna. O Capitão dessa prole terá de confrontar aqueles que consideram prejudicial o modo como ele educa seus filhos, e faz isso de uma maneira surpreendentemente calma e serena.
O longa possui muitas qualidades, mas as maiores, definitivamente, se encontram em seu elenco. Viggo Mortensen, que já está indicado ao prêmio de Melhor Ator no Globo de Ouro 2017, pode receber sua segunda indicação ao Oscar devido a grandeza e sensibilidade em que atua como Ben (e eu torço muito por isso!). É curioso perceber que Ben nunca é agressivo, mesmo quando possui motivos para ser. Com um semblante sereno e, sobretudo, sempre disposto a dialogar, ele é uma das pérolas que fazem Capitão Fantástico ser um filme tão vivo. É possível ver o tamanho do amor e preocupação por seus filhos mesmo que seja extremamente disciplinar e até mesmo rígido em determinados momentos, o que torna tudo mais emocionante quando ele avalia se a vida que proporciona à sua família é realmente a mais adequada. Só pelo fato de Ben repensar em suas próprias atitudes, já mostra o quanto ama sua família, e no quanto está disposto a entender que, uma hora ou outra, eles precisarão sair para enfrentar o mundo. Já o veterano Frank Langella, ótimo na pele do sogro de Ben, é um personagem que começa como um “vilão”, mas que acaba tendo tempo suficiente em tela para que o espectador veja seu lado também, principalmente no que diz respeito às crianças.
E por falar em crianças, são elas quem dão a comédia e promovem cenas engraçadas e reflexivas. A dinâmica entre elas e o pai é encantadora (especialmente nos diálogos durante a viagem que fazem até chegarem na casa dos avós) e também cômica – principalmente nas cenas em que a trupe passa uns dias na casa da irmã de Ben, onde eles convivem com parentes que, além de diferentes, acham seu modo de vida superior aos dos ‘selvagens’. Dois dos filhos de Ben (destaque para Bodevan, interpretado por George MacKay) formam subtramas relacionadas com a vida “lá fora”, que falam sobre faculdade e também simplesmente da vontade de ser alguém normal. Mas o que é ser normal? O filme claramente faz uma crítica à sociedade consumista, mas consegue encaixar um meio-termo interessante e que condiz com o que nos foi apresentado em seu desenvolvimento.
O filme em si é simples, mas sua técnica, fotografia e montagem são primorosas. Tais elementos mostram da melhor forma a sintonia da família Cash com a natureza, esta sendo expressada em belíssimas cenas com cachoeiras, montanhas e árvores. Eles realmente amam a vida na natureza e sabem que aquela é a sua verdadeira raiz. Além disso, a trilha sonora é simplesmente fantástica e pontual, com seu ápice no cover da música Sweet Child of Mine, de Guns & Roses, que com uma versão mais light e com ritmo diferente, tornou cada verso da versão original ainda mais forte.
Capitão Fantástico é um dos poucos filmes de 2016 que me fizeram refletir bastante ao sair da sala de cinema. Ele promove uma montanha-russa de sentimentos em relação a assuntos como família, a sociedade em que vivemos e ao modo em que enxergamos as coisas que já estão pré-estabelecidas em nossas vidas. A sutileza e ousadia expostas no trabalho de Matt Ross são feitas com maestria, e são por esses e outros motivos (que não vou citar para não estragar a experiência), que o filme merece ser visto. Divirta-se, emocione-se e reflita, pois é isso que o filme se propõe a entregar.
FICHA TÉCNICA
Direção: Matt Ross
Roteiro: Matt Ross
Elenco: Annalise Basso, Charlie Shotwell, Elijah Stevenson, Erin Moriarty, Frank Langella, Galen Osier, George MacKay, Hannah Horton, Kathryn Hahn, Missi Pyle, Nicholas Hamilton, Rex Young, Samantha Isler, Shree Crooks, Steve Zahn, Teddy Van Ee, Trin Miller, Viggo Mortensen
Produção: Jamie Patricof, Lynette Howell Taylor, Monica Levinson, Shivani Rawat
Fotografia: Stéphane Fontaine
Montagem: Joseph Krings
Trilha Sonora: Alex Somers
Duração: 118 min.
Ano: 2016
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