Crítica: Casa Gucci
“Não é um erro, é uma escolha”, diz a amante de Maurizio Gucci (Adam Driver) antes que este cometa a decisão de trair a atual esposa Patrizia Reggiani (Lady Gaga). Esta frase pode ser específica a este momento do longo filme de Ridley Scott, mas seu significado reverbera pelo restante da obra de maneira que a interpretação dos acontecimentos (e do longa em si) se altere drasticamente. A história da Casa Gucci é marcada por uma série de escolhas e erros que levaram a não tão felizes, ou mesmo trágicas, conclusões. Toda a glória passada da grife dá vez a decisões de negócios que não tardam até refletirem como equívocos quase irreparáveis, e nem estamos falando ainda do impacto que Patrizia teve sobre o legado da marca.
Antes de tudo, Casa Gucci começa como uma história de amor, pura e simplesmente. O romance que floresce entre Patrizia e Maurizio torna a primeira metade do longa de Scott um pouco mais descontraída e calorosa, com uma apresentação gradual das personagens conforme a jovem italiana conhece seus novos familiares. Porém o sentimento de não-pertencimento cresce, e com ele o tom muda para algo mais estéril, apesar da inclinação à caricatura (mais sobre isso abaixo). Os negócios se tornam o foco, e “este não é o jogo de uma mulher”, diz Aldo Gucci (Al Pacino). Com isso, Patrizia se encontra cada vez mais às margens do império que a havia inicialmente instigado. Mas este é, de fato, seu jogo, e ela encontra seu caminho tortuoso de volta e vislumbra o poder que o nome Gucci carrega, embora a representação de suas ações deixe a desejar.
Um dos grandes problemas da obra é sua dificuldade em encontrar um ponto de virada sólido para a relação de Maurizio e Patrizia. As escolhas que ambos tomam são mapeadas de forma linear, mas tais linhas nunca parecem cruzar de forma impactante, e isto dá a Casa Gucci um sentimento de inconsequência dos acontecimentos. Apenas as decisões de negócios terceiros parecem refletir na vida dos protagonistas, com exceção da última grande escolha que tornou Patrizia infame. Não é um filme particularmente emocionante ou que engaje o espectador em sua teia de ocorrências, portanto o elo entre o casal é o único sinal de emoção humana que o roteiro tinha em suas mangas, mas este vai desaparecendo em meio às viradas que derrubam o castelo de cartas sem afetar diretamente a relação das personagens de Gaga e Driver, que desmancham de forma nada convincente e sem espontaneidade. É a típica natureza de adaptação a la Wikipédia.
Erros ou escolhas? Esta definitivamente é a questão quando falamos do elenco, que investe de maneira irregular em sotaques e maneirismos. Gaga estudou o papel por meses e consegue atingir um equilíbrio entre inspiração e imitação, enquanto Driver está discreto do começo ao fim. Mas é Jared Leto quem mais chama a atenção, no pior dos sentidos, com sua caracterização de Super Mario para Paolo Gucci, um desastre inadvertido com o qual o lendário Al Pacino tem o castigo de contracenar. A qualidade das atuações acaba por ser a característica definidora de Casa Gucci, e na falta de um roteiro bem amarrado ou coeso, são o único valor de entretenimento que o filme oferece além de algumas needle drops bem posicionadas. Intencional ou não, a obra do veterano Scott se destaca apenas por suas piores decisões, muito como as personagens após passado o período de graça de sua grife.