Crítica: De Canção em Canção

Crítica: De Canção em Canção

Pense em qualquer filme romântico cheio de diálogos rápidos de Woody Allen, qualquer obra de ação repleta de sangue de Quentin Tarantino, ou qualquer grande produção com explosões dirigida por Michael Bay. Nenhum desses populares cineastas possuem uma maneira tão específica de dirigir seus filmes quanto Terrence Malick. Para quem conhece o diretor, já sabe mais ou menos o que esperar de um filme como De Canção em Canção: ritmo lento, frases de efeito e atuações dramáticas. Sim, o filme se confirma com essas expectativas e, mesmo não sendo nem de longe a maior obra de Malick, ainda retrata a vida e o amor naturalmente, de modo a oferecer um realismo simpático vindo da paleta de cores e dos respeitáveis movimentos de câmera.

A história se passa em Austin, no Texas, e introduz aos poucos seus personagens junto à narrações dos mesmos, que complementam o enredo e os apresentam frente a conflitos próprios, desejos e outras ambições. Entre os personagens, se destacam BV (Ryan Gosling) e Faye (Rooney Mara), que formam um casal de compositores que se apaixonam, enquanto um magnata da música chamado Cook (Michael Fassbender) se coloca entre a relação de ambos, sendo amigo de BV e amante de Faye. Ao longo do filme, outras personagens relevantes também entram em cena e desempenham um papel que de alguma forma acaba influenciando o relacionamento dos protagonistas. Alguns exemplos são Rhonda (Natalie Portman), uma garçonete que é seduzida por Cook, Amanda (Cate Blanchett), que representa um possível interesse amoroso de BV, e também Zoey (Bérénice Marlohe), companheira de Faye que a sensibiliza sexualmente e emocionalmente.

O famoso e capacitado elenco é um dos aspectos mais chamativos do filme, mas não o suficiente para salvar o roteiro cansativo de Malick, que dessa vez se dá bem melhor na direção que na escrita. O desenvolvimento da história contém um ou outro momento acentuado, porém a narrativa segue a proposta de não ser inovadora, e sim de simplesmente tratar os relacionamentos amorosos de um jeito fiel à realidade, supondo as felicidades e as inseguranças de cada personagem e sua particular tendência de enxergar o mundo. Isso não é ruim de maneira alguma, pois cumpre o que promete, mas não inova e portanto não surpreende.

Visto que nem tudo no roteiro é de mal gosto, é importante dar crédito aos delicados diálogos do filme, principalmente às narrações de Faye, que nos deixam sensíveis aos acontecimentos e à vivência da personagem. Se o roteiro não impressiona, são os movimentos de câmera e a escolha de planos de Emmanuel Lubezki que acaricia o expectador com uma fotografia vistosa e sensual (paisagens e cenários fascinantes não ficam de fora). Outro mérito da obra é a montagem colaborativa e trabalhosa, que assume a obrigação de intercalar planos curtos, dando sentido à história e criando a emoção correta no público.

Devo relevar também a envolvente trilha sonora do filme, com uma mistura que possivelmente representou a maior combinação de gêneros dentro de um mesmo filme. São inúmeras as variedades musicais que permeiam a obra em suas várias cenas; é identificável gêneros como folk, country, pop, rock, punk, e até música clássica e eletrônica. Parece um simples conjunto de temperos jogados à toa dentro de uma panela, mas ao menos em minha opinião, esses temperos funcionam perfeitamente com o ambiente atual e urbano do filme.

De Canção em Canção bebe de uma fonte específica de público: um público disposto a investir duas horas em uma produção lenta, que não segue uma história tão interessante, mas que, por ser realista, consegue cativar com suas cenas muito bem filmadas, retratando impecavelmente nossas vidas, nossos confortos, desconfortos e nossas loucuras mais profundas. É uma obra original e, ao mesmo tempo, simples. Recomendo a você, leitor, que assista com paciência e vontade de se entreter com pouco, e se maravilhar com muito.

FICHA TÉCNICA
Direção e Roteiro: Terrence Malick
Elenco: Ryan Gosling, Rooney Mara, Michael Fassbender, Natalie Portman, Cate Blanchett, Bérénice Marlohe, Val Kilmer, Holly Hunter, Lykke Li
Produção: Sarah Green, Nicolas Gonda, Ken Kao
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Montagem: Hank Corwin, Rehman Nizar Ali, Keith Fraase
Gênero:
Romance / Drama
Duração: 129 min

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.