Crítica: High Flying Bird

Crítica: High Flying Bird

Jogo burocrático

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High Flying Bird é como aqueles filmes de guerra em que não há ação no front, mas sim foco na expectativa dos soldados para entrar em combate. No caso desse longa original Netflix, a ansiedade é para o começo da nova temporada da liga norte-americana de basquete (a NBA), colocada em suspensão por conta de um “lockout”, enquanto atletas e cartolas buscam um acordo para novos contratos e cifras milionários.

André Holland interpreta Ray Burke, um empresário que se vê numa situação de crise financeira crescente à medida que seu salário também fica congelado durante o impasse. Para completar, o novato Erick Scott (Melvin Gregg), seu principal cliente, sofre com a demora para entrar em quadra e lida com a frustração de ver como a burocracia do esporte profissional pode atrapalhar quem só quer entrar em quadra.

Apesar do basquete estar o tempo inteiro no entorno de High Flying Bird, quase não há bola em jogo durante o filme. O consagrado diretor Steven Soderbergh está interessado nos corredores dos escritórios onde as decisões são tomadas, sublinhando o caráter de negócios de algo que surgiu como lazer. Não se trata de uma denúncia exatamente nova, já que esta é uma realidade cada vez mais inescapável.

O roteiro, escrito por Tarell Alvin McCraney (que ganhou um Oscar pelo argumento de Moonlight – Sob a Luz do Luar), acrescenta a este contexto um comentário racial. Em diversas cenas, os personagens comparam os contratos repleto de restrições impostas pela NBA à escravidão. Em dado momento, o veterano Spence (Bill Duke) sustenta que a entrada dos negros na Liga foi uma forma dos organizadores explorarem e faturarem em cima de quem sempre demonstrou mais talento com a bola laranja nas mãos.

Em seus momentos mais interessantes, High Flying Bird ameaça enveredar pelo caminho de desafiar esta estrutura, quando o protagonista pensa numa estratégia intrincada para que seus atletas possam atuar e atrair atenção, mesmo durante o “lockout”. Mas esta virada demora a vir, e é resolvida rápida demais, sempre com cenas de diálogo.

Aliás, conversa é algo que não falta no filme. Termos técnicos e gírias são utilizados em profusão, deixando até mesmo a legenda da Netflix perdida em algumas vezes. Há ainda depoimentos de três jogadores da NBA (Reggie Jackson, Donovan Mitchell e Karl-Anthony Towns) que interrompem regularmente a narrativa, reforçando temas que já são tratados em cena e causando certa redundância.

Ainda como aspecto técnico, cabe dizer que o longa foi rodado inteiramente num iPhone, como Soderbergh já havia feito em seu trabalho anterior, o suspense Distúrbio, lançado no Brasil diretamente em plataformas digitais. Em algumas cenas, lentes grandes agulares causam um certo estranhamento na imagem, refletindo o desconforto dos personagens. Mas a impressão é que o diretor poderia assumir e brincar mais com essa linguagem. Do jeito que está, é apenas uma forma mais barata de chegar a um aspecto já tradicional.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil