Crítica: Human Flow – Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir
Com Human Flow, o artista Ai Weiwei explora a crise dos refugiados com um teste de empatia… e paciência
A crise mundial dos refugiados é um tópico denso e difícil de se resumir em um filme só. Human Flow – Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir é o novo documentário de Ai Weiwei, artista plástico chinês que vive na Alemanha desde 2015, após anos de censuras do governo em seu país natal. O filme abriu a 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, para a qual Weiwei veio. Com estreia marcada para essa quinta-feira, 16, o documentário conta com imagens arrebatadoras, mas um ritmo letárgico.
Human Flow é mais Koyaanisqatsi do que A Oeste do Rio Jordão. Weiwei situa seu filme em uma posição distanciada, com um recorte macroscópico que é pontuado por entrevistas que parecem fora de lugar, contando ainda com aparições do próprio diretor, que se tinham alguma função, acabam por prejudicar a imersão. O que mais pesa, no entanto, é a montagem, que passa tempo demais intercalando as centenas de imagens de cobertura sem conferir nenhum ritmo. Aliás, tais imagens podem impressionar o público ao enfatizar a escala dessa viagem cinematográfica, mas muitas vezes não têm nenhum propósito além do puramente estético. O que seria ótimo, caso Human Flow de fato fluisse como seus objetos de estudo.
Espera: objetos de estudo? Isso mesmo, e aí está outro problema na abordagem empregada por Weiwei. As poucas conversas com refugiados são tímidas, no mais. Na verdade, o foco está nos sentimentos mais brutos desses que são estudados, resultando em um ou outro momento realmente poderoso. Um homem chora intensamente ao relatar as múltiplas perdas que sofreu em sua busca por refúgio, enquanto uma garota que vive em um hangar reservado para refugiados em Berlim atesta o profundo tédio que todos sentem com a situação. São pontos interessantes e muito humanos, mas nunca aprofundados.
Mesmo com todas suas deficiências, Human Flow apresenta um ou outro momentos narrativos realmente expressivos. Alguns deles, infelizmente, dizem muito sobre o baixo valor que pode ser atribuído ao ser-humano. Um trecho em Gaza conta a curta história de um tigre que, em situação de necessidade, é quase que imediatamente transportado para Israel para receber cuidados. Já os palestinos, sem seus bens mais básicos, são completamente ignorados. Essa talvez seja a mais forte cena de Human Flow, funcionando como sua própria história e constatação. A imagem que fecha o documentário, com enormes montes de coletes salva-vidas, também marca, e melhora a impressão final que se tem da obra.
E quer saber? Talvez a monotonia de Human Flow seja inteiramente pretendida por Weiwei. Talvez o mesmo se deu com suas aparições em frente à câmera, já que o próprio é um refugiado. Talvez tudo seja mesmo um teste ferrenho de empatia, ironizada (propositalmente?) no momento em que Weiwei tenta, em meio a uma tempestade de areia, tirar uma selfie segurando uma folha com os dizeres “I Ai Weiwei stand #WithRefugees”, até que o papel é levado pela ventania, frustrando a tentativa. Talvez a crise dos refugiados não possa e nem deva entreter. Talvez devêssemos reconhecer nossa dificuldade em enxergar, no outro, alguém como nós mesmos.
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