Crítica: Manchester à Beira-Mar
Kenneth Lonergan pode ter feito poucos filmes, mas julgando por seu último longa, Manchester à Beira-Mar, é decididamente um autor de peso, confeccionando uma obra que se equipara aos grandes dramas americanos dos anos 70 e 80, como, por exemplo, Gente como a Gente, de Robert Redford. Forte concorrente aos Oscars em 2017, Manchester à Beira-Mar foi primeiramente exibido em janeiro do ano passado durante o festival de Sundance, do qual, surpreendentemente, saiu de mãos abanando, mas tendo conquistado o carinho e atenção dos críticos e público.
Aqui estamos: Manchester estreou nesta última quinta-feira (19) nos cinemas de São Paulo em um circuito razoavelmente limitado, justamente na mesma semana que o grande favorito La La Land chegou para conquistar o público. Ainda assim, é um longa que merece ser visto, não apenas pelo fato de que levará algumas estatuetas na grande noite, mas também por ser simplesmente um grande filme (figurativamente e literalmente, afinal atinge a marca de 2h20 de duração).
Esta é a história de Lee Chandler (Casey Affleck), sujeito alcóolatra e tremendamente problemático que trabalha como faz-tudo de quatro prédios e que nas horas vagas, sai de seu pequeno quarto para alimentar seu vício, constantemente passando da conta e começando brigas. Certa manhã, Lee é informado que seu irmão, Joe (Kyle Chandler), sofreu uma parada cardíaca, o que o obriga a viajar de prontidão para a cidadezinha natal de Manchester. Lee não chega a tempo de se despedir de seu irmão, mas é deixado com uma série de complicações legais, a principal delas sendo a custódia de seu sobrinho (Lucas Hedges), agora órfão. Ao longo da história, descobre-se também o passado trágico de Lee, que o levou à sua jornada corrente de autodestruição. Estaria ele preparado para superar sua dura realidade e recomeçar como o guardião de seu sobrinho?
Não ignorando a própria realidade problemática de Affleck, devo dizer que sua interpretação é de fato majestosa. Aflitivamente contido, transmite toda a angústia de Lee sem recorrer às típicas armadilhas melodramáticas de filmes de temática semelhante. Enquanto isso, o estreante Lucas Hedges faz queixos caírem como Patrick, livre de maneirismos e fazendo belo contraponto à seriedade de Lee, com o qual divide diversas cenas. A sempre ótima Michelle Williams, indicada a diversos prêmios como coadjuvante em Manchester, também deixa sua marca como a ex-esposa de Lee, Randi, apesar do tempo mínimo em tela (que não deve atingir nem 10 minutos). Testamentos, acima de tudo, à habilidade de Lonergan como diretor, que sempre se arrisca a sair de caminhos mais óbvios para conferir, se não realidade, peso dramático a suas obras.
Também imprescindível é montagem de Jennifer Lame, que trabalha o paralelo entre passado e presente com simplicidade técnica mas com uma inteligência meticulosa, cujas soluções narrativas conferem maior imersão ao microcosmo de seus personagens. A trilha melancólica de Lesley Barber, compositora que colaborou com Lonergan em seu primeiro longa, arrisca-se a ser intrusiva e tal risco em diversas situações traz ótimos resultados, como na sequência em que descobrimos um ponto-chave no passado de Lee, o que o levou ao desejo de autodestruição.
Assim como em seu longa anterior Margaret, Kenneth Lonergan novamente traz, em Manchester à Beira-Mar, a história de um indivíduo assombrado por um erro fatal, convidando os espectadores a contemplarem o abismo, que pode ou não ter uma saída. Esta é a forma de Lonergan encontrar a esperança no fundo do poço: levando-nos ao seu ponto mais baixo, para que sintamos cada centímetro da ascensão. E se isso soou como um livro de auto-ajuda, bom…
FICHA TÉCNICA
Direção: Kenneth Lonergan
Roteiro: Kenneth Lonergan
Elenco: Casey Affleck, Lucas Hedges, Michelle Williams, Kyle Chandler, Gretchen Mol, Matthew Broderick
Produção: Matt Damon, Lauren Beck, Kimberly Steward, Chris Moore, Kevin J. Walsh
Fotografia: Jody Lee Pipes
Montagem: Jennifer Lame
Trilha Sonora: Lesley Barber
Duração: 137 min Distribuição: Sony Pictures
Gênero: Drama