Crítica: Morto Não Fala
Horror com pretexto, mas desconexo
O diretor Dennison Ramalho é uma personalidade já conhecida no meio audiovisual de terror nacional pela direção de curtas como Amor Só de Mãe (2003) e Ninjas (2011), além do roteiro do longa Encarnação do Demônio (2008) que marcou a volta de José Mojica Marins às telas como o famoso Zé do Caixão. Aqui, Denisson, em sua estreia na direção de longas, dá espaço para um relato urbano-social que se apoia totalmente em uma abordagem de terror sobrenatural com toques de suspense psicológico que ora funcionam, e ora não. Sem definir muito bem seu objetivo e a forma como pretende contar sua história, a narrativa se equilibra entre momentos bons e ruins, com exageros e comedimentos nem sempre na hora certa.
A história gira em torno de Stênio (Daniel de Oliveira), um legista noturno que trabalha no IML e possui a capacidade de conversar com os mortos. Visto seu turno de trabalho cansativo e pouco previsível, Stênio acaba deixando sua esposa Odete (Fabíula Nascimento) insatisfeita e dando pouca atenção para sua família, o que gera uma relação nada saudável. Após uma revelação perturbadora de um morto durante uma autópsia no necrotério, Stênio toma uma decisão perigosa que acaba não ocorrendo como esperado, e que ainda pode acabar gerando riscos mortais para si e sua família.
Diante de uma direção segura em uma boa dinâmica espacial dos cenários e dos personagens, somos aos poucos apresentados à realidade mórbida vivida pelo personagem principal. Daniel de Oliveira se aventura com gosto em um personagem delirante que, após se ver encurralado pelas consequências de sua decisão, presencia eventos sobrenaturais e passa a questionar sua sanidade. Bianca Comparato também se sai bem com a tarefa de manter a estabilidade emocional em um ambiente caótico e ao mesmo tempo expor as angústias de uma jovem sem família.
Fabíula Nascimento, por outro lado, faz o possível para salvar uma personagem secundária pouco interessante de seus exageros desnecessários, algo também visto nas crianças (filhos de Stênio), uma vez que a direção de atores em geral parece ter deixado a desejar. Aliás, o maior problema de Morto Não Fala é exatamente seus exageros comprometedores. Desde os incessantes sustos baratos em picos sonoros que a trama apela para assustar o público, até os controversos efeitos especiais trabalhados em cima das faces dos mortos para que eles possam falar com Stênio.
A trama acerta ao expor a realidade dura e violenta presente nos bairros periféricos, assim como descaso do governo em prover um espaço maior e adequado para comportar quantidades maiores de corpos, algo que se torna um gigante e conturbado problema para os legistas quando há tiroteios e acidentes envolvendo maiores números de mortos (ou seja, quase sempre). Porém o comentário social do filme quase não fica evidente, uma vez que a obra aposta na maioria do tempo no terror visual e no gore, em vez do terror psicológico e dramático.
Os efeitos especiais e a maquiagem são utilizados diversas vezes para causar medo e criar situações tensas, e essa frequência de tentativas gera um afastamento do envolvimento do espectador com a história e a coesão do enredo em si, o que acaba por tornar o filme mais uma experiência de cenas individuais de terror, ainda que funcionais.
Morto Não Fala erra tanto quanto acerta. A qualidade que se apresenta na direção, mise-en-scène e fotografia pouco se sobressai às inconsistências narrativas do filme. Não entendemos muito bem as intenções do antagonista no filme, nem a razão pela qual muitos dos eventos ocorrem. Com o objetivo único de causar medo e desconforto no espectador, a obra perde força na confusa mensagem que deseja transmitir e na falta de harmonia entre os elementos propostos pela trama.