Crítica: Ninguém Deseja a Noite

Crítica: Ninguém Deseja a Noite

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Em 2016, fomos infelizmente lembrados de que uma ótima premissa não garante um ótimo filme. No âmbito dos blockbusters, os longas da DC Comics foram especialmente marcantes em seu fracasso ao tentar traduzir para as telas histórias que pareciam infalíveis em cativar o público geral e resultar em um produto consistente. Foi o caso com BvS e principalmente com Esquadrão Suicida, dois longas extremamente equivocados em sua execução. No circuito do denominado “cinema de arte”, apesar de cultivar um tipo de hype muito específico (ou hype nenhum, em muitos casos), o mesmo pode ocorrer e os resultados, por sua vez, podem ser igualmente sofríveis. Ninguém Deseja a Noite, da diretora catalã Isabel Coixet e filme de abertura no Festival de Berlim em 2015, trata-se não só de uma oportunidade perdida, mas de uma imensa decepção ao considerarmos o talento envolvido e sobretudo a força da verídica história da qual colheu inspiração.

Protagonizado pela já icônica Juliette Binoche, o enredo delonga a encontrar seu centro dramático, o que mina quase que completamente o envolvimento do espectador logo de antemão. Nele, Josephine Peary (Binoche), esposa de um experiente explorador, sai em busca de seu marido Robert e com este intuito viaja para o extremo norte do Canadá, onde conhece o experiente rastreador Bram (Gabriel Byrne) e seus ajudantes inuítes (conhecidos mais vulgarmente pelo nome de esquimós). O grupo, agora sob o comando de Josephine, parte então para o Polo Norte, onde o clima inóspito e outros perigos entram em seus caminhos, tirando vidas e levando à desistência de alguns integrantes da expedição. Ao fim da jornada, chegam a uma cabana na qual Josephine esperaria sozinha pela volta de seu marido, acampado não muito longe dali. A esposa então conhece Allaka (Rinko Kikuchi), inuíte que acampa em um iglu logo ao lado da cabana e que traz constantemente comida e presentes para a sua “senhoria”. Sem previsão de retorno do marido, não tarda muito até que Josephine descubra que Allaka está lá esperando pelo mesmo homem e, além disso, carregando consigo um bebê deste. Forçadas à convivência durante um impiedoso inverno polar (no qual a noite é interminável, o que explica o título), as duas mulheres devem superar barreiras culturais e emocionais para garantir a própria sobrevivência e o bem-estar do vindouro bebê.

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Primeiro longa de época na carreira de Coixet, além de ambientado em cantos pouco favoráveis do planeta, Ninguém Deseja a Noite exala em suas imagens e mise-en-scene o palpável desconforto de sua realizadora ao encarar este novo tipo de obra. Do início ao fim, há uma atmosfera demasiadamente cênica, que junto com o fraco texto de Miguel Barros, com suas caracterizações superficiais, prejudica qualquer senso de verossimilhança. Pior ainda, deixa a impressão de que não houve atenção a nenhum tipo de métrica, visto que seu primeiro ato é, entre tantas coisas, vazio, sonolento e aparentemente interminável, merecendo o título de Sono de Inverno caso Nuri Bilge Ceylan não o tivesse usado em sua última obra. A trama com Allaka, que deveria ser seu núcleo, surge tarde demais, quando já se tem um mínimo interesse por parte do espectador (caso este ainda estivesse acordado). Uma pena, pois com maior concisão e objetividade a jornada teria sido um bocado mais impactante.

Apesar de uma evolução razoavelmente fascinante para a personagem de Josephine, Binoche parece se esforçar demais com o material que tem, enquanto Byrne é apagado junto com qualquer carisma debaixo de todo o cabelo e barba. O destaque fica para a talentosa Kikuchi, que apesar da caracterização estereotipada atribuída a Allaka, é a única que consegue trazer algum valor de entretenimento para o longa, com a ingenuidade singular e ausência de etiqueta de sua personagem. Vale (ou não) lembrar também que Matt Salinger, o Capitão América do terrível longa da década de 90, dá as caras brevemente nos primeiros minutos do longa, sendo algo infeliz constatar que o sujeito simplesmente não consegue despontar em um único filme bom.

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O que mais pesa, apesar de todos os equívocos, é a noção de que tal premissa poderia muito bem ter resultado em um filme verdadeiramente soberbo, trazendo uma poderosíssima história de empatia entre mulheres que, apesar de culturalmente muito distintas, superam as barreiras do conservadorismo e o pensamento tipicamente imperialista então perpetuado pelos povos ocidentais. Claro, há algumas alterações em relação aos acontecimentos reais, como por exemplo o fato de que Josephine e Allaka não passaram 14 semanas juntas como no filme, mas como a mudança serve ao intuito, dá pra deixar passar.

Com seus diversos problemas de execução, Ninguém Deseja a Noite é, por fim, uma tentativa fracassada e um desserviço à história que se propôs a contar. E isso ninguém realmente deseja.

FICHA TÉCNICA
Direção: Isabel Coixet
Roteiro: Miguel Barros
Elenco: Juliette Binoche, Rinko Kikuchi, Gabriel Byrne, Ben Temple, Matt Salinger
Produção: Dimitar Gochev, Ariel Ilieff, Antonia Nava, Jérôme Vidal
Fotografia: Jean-Claude Larrieu
Montagem: Elena Ruiz
Trilha Sonora: Lucas Vidal
Duração: 118 min
Gênero:  Drama / Aventura    

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.

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