Crítica: O Empregado e o Patrão

Crítica: O Empregado e o Patrão

Participante da última quinzena dos realizadores em Cannes, esta co-produção entre Uruguai, Argentina, Brasil e França se auto denomina um “faroeste dos pampas“. Isso leva a expectativas de cowboys e forasteiros, mocinhos e bandidos, mas tais expectativas não são correspondidas pelo projeto. Temos uma narrativa de fronteiras, de estrangeiros cruzando limites territoriais para contratar mão de obra barata para suas fazendas, e aqueles que se ofertam ao serviço.

Empregado e patrão são as típicas figuras dos provedores, ocupando o papéis de ganha-pão para suas jovens famílias. Tais núcleos são desenvolvidos em paralelo ao longo do projeto, como forma de contrastar suas vidas. Tudo caminha bem, até que um acidente de trabalho acontece e coloca em cheque sua relação profissional: será que o empregado tomará atitudes contra o patrão? Será que ele se conformará com sua posição? 

A força da obra está em sua pouca obviedade. O patrão, que a princípio relacionaríamos a uma figura mais velha e dependente, aqui surge com um semblante jovem, com o vigor de ir a festas noturnas e a mente aberta para procurar tratamentos alternativos para o filho pequeno, portador de uma síndrome misteriosa. A escolha do ator argentino Nahuel Perez Biscayart (120 Batimentos por Minuto) se prova acertada pelo desafio a estas convenções. 

Já o empregado se trata de uma figura esperada, o jovem trabalhador que está em busca de um emprego que o sustente, um homem com sonhos simples como participar de uma corrida local a cavalo. Também surge marcado pela paternidade, com uma pequena filha aparentemente saudável. Cristian Borges aposta em um registro minimalista que a direção de Manuel Nieto Zas lhe impõe, aparentemente reagindo pouco ao que lhe acontece.

Emprega-se por boa parte da obra a montagem paralela, separando cada homem a seu mundo, alternando privilégios e realidades. Em seus momentos juntos, as interações são marcadas pela frieza, exceto por alguns raros instantes em que existe algum gesto compadecido. Empregado e patrão vão colidir em alguma espécie de conflito? Ou será que as relações se manterão cordiais até o final da rodagem?

Zas constrói estas tensões em momentos isolados, ao invés de criar embates constantes. O momento do acidente é registrado de longe, para poupar maiores detalhes de seu público e aproximando-nos da perspectiva clínica do patrão, enquanto uma corrida de cavalos subverte expectativas pela maneira inesperada com que introduz obstáculos e desafios. São instantes marcantes pela recusa ao espetáculo, pela falta do choque gráfico. 

O Empregado e o Patrão determina que as relações profissionais continuarão marcadas pela diferença de classes, pelo determinismo social e a impossibilidade de um triunfo por parte do empregado acerca de suas ambições pessoais enquanto não detentor dos meios de produção. Pode parecer um pouco fatalista demais, mas o filme de Manuel Nieto Zas consegue transmitir sua mensagem com coesão enquanto desafia noções pré-concebidas. 

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.