Crítica: O Estranho que Nós Amamos
Sofia Coppola tem o dom de contar histórias sob uma ótica simples, porém marcante. Até sua produção mais “glamourosa”, Maria Antonieta, encontra seu maior triunfo no que acontece no íntimo da última rainha da França. Em O Estranho que Nós Amamos, é uma sensação maravilhosa perceber que a diretora novamente conseguiu o feito de prender o espectador logo em sua primeira cena e nos fazer mergulhar naquele local afastado da Virgínia em meio à Guerra Civil no ano de 1864. Pelo menos, foi isso que aconteceu comigo.
O som dos pássaros intercalando com os sons da guerra ao fundo. O barulho de bombas sempre distante, como se aquelas mulheres estivessem em outro mundo, completamente isoladas… Um mundo que, para elas, a verdadeira guerra passa a ser o ego.
The Beguiled (título original que significa “O Seduzido” em tradução livre) venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano. Por mais que eu não tenha visto os outros filmes concorrentes, entendo o motivo pelo qual o longa venceu o maior prêmio do Festival. A direção de Coppola é simplesmente fantástica e, como já pontuei aqui, prende a atenção sem o mínimo de esforço. A cineasta não tem a necessidade (nunca teve, na verdade) de fazer filmes excepcionais, mas é justamente esse foco em apenas contar uma história da melhor forma possível que faz seus filmes serem considerados como tais. Além deste lançamento, Encontros e Desencontros e As Virgens Suicidas estão aí para provar isso. Tenho certeza que, merecidamente, O Estranho que Nós Amamos será visto pelos fãs como um dos melhores trabalhos de Coppola.
A história centra-se em uma só locação: um orfanato só de garotas que é comandado por Martha (Nicole Kidman). A vida delas muda completamente quando uma das garotas encontra um ianque ferido chamado John (Colin Farrell) no bosque perto do orfanato. Como todas são cristãs e aprenderam que devem fazer o bem ao próximo (mesmo que ele seja o inimigo), a jovem quer ajudá-lo e o leva até seu lar.
A chegada desse estranho carrega uma tensão quase palpável entre todas as mulheres, que, não importando a idade, são baqueadas (cada uma à sua maneira) com a inusitada presença masculina em uma casa cheia de orações e lições diárias. Como a tensão já estava instaurada antes mesmo de John chegar, uma das coisas que mais marca na história é o crescimento daquela sensação desagradável que fica pairando no ar. Em praticamente todas as cenas é possível sentir que há muito conflito entre todas as mulheres, mas, curiosamente, nenhuma delas fala o que pensa em voz alta. Tudo é explícito nos olhares, nos gestos e nas atitudes, e esse é um dos motivos pelos quais a direção que Coppola faz com seu elenco também seja digna de palmas. A diretora sempre extrai o melhor de seu elenco, principalmente quando ele é feminino, e em O Estranho que Nós Amamos não foi diferente.
Nicole Kidman brilha em seu papel de chefe do internato e Kirsten Dunst, como uma professora mais “moderna” para sua época, fica páreo a páreo com Kidman, que esboça semelhanças com sua personagem em Os Outros e é extremamente forte e decidida. Até arrisco dizer que estes são os melhores papéis em que ambas as atrizes já trabalharam no cinema. Suas personagens misteriosas atiçam ainda mais a curiosidade a cada cena e acontecimento. Já Colin Farrell é o elemento mais poderoso da trama, afinal, ele é tudo que envolve o clímax. Diferente da versão de 1971 dirigida por Don Siegel, com Clint Eastwood na pele de John, vemos um personagem mais “sutil” em sua proposta, enquanto Eastwood foi mais brutal e marcante. Elle Fanning também deixa sua marca com uma presença ousada.
O Estranho que Nós Amamos é um filme de muitas camadas. À medida em que vamos descobrindo pouco a pouco o que acontece dentro daquele orfanato, com a imaginação divagando nos possíveis desfechos, é inevitável se sentir preso dentro daquela história. Apaixonante de um jeito que não soa romântico e unindo a linha tênue entre o sutil e o intenso, essa é uma obra que precisa ser vista com atenção nos mínimos detalhes (que vão desde o figurino até os belíssimos planos de câmera) e que merece ser analisada como pura arte.
Todos os filmes de Sofia Coppola têm um quê de Sofia Coppola. Não dá para explicar exatamente por que eles têm esse estilo único e diferenciado, mas acredito que seja por isso que a arte que ela faz fascina e impacta tanto. De qualquer maneira, o estilo imposto em suas obras deve ser o maior legado que um diretor almeja em sua carreira. E Sofia, com 46 anos e 6 filmes, definitivamente já conseguiu tal feito.
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