Crítica: O Homem Invisível

Crítica: O Homem Invisível

Do monstro, o homem

Contrapondo o que havia sido testado no Dark Universe, uma tentativa falha da Universal Pictures em reavivar seus clássicos monstros sob o prisma de um cinema de super-heróis multimilionário, com O Homem Invisível o estúdio agora aposta na abordagem econômica e bem-sucedida da produtora Blumhouse para resgatar o apelo de um de seus monstros naquilo que é mais essencial ao medo, transformando-o de volta em um homem capaz de males inimagináveis – porém com raízes em crueldades reais.

No caso específico de O Homem Invisível, a premissa de transformar o homem equipado com a invisibilidade em um agressor doméstico é instigante, mas corria o risco de já ter se esgotado no período de divulgação, isto é, caso estivesse nas mãos de um cineasta disposto apenas a jogar no seguro e dizer o óbvio. Felizmente, no entanto, o australiano Leigh Whannell, roteirista do original Jogos Mortais e agora celebrado pela direção do sci-fi Upgrade: Atualização, apresenta um leque de ideias que enriquecem o projeto.

Adotando a perspectiva de Cecilia (Elisabeth Moss, excelente como sempre), que foge de seu ex abusivo e, logo após ser informada do suicídio deste, passa a acreditar que uma ameaça invisível a persegue, a trama é cuidadosamente construída para que não haja lacunas na lógica interna, igualando com clareza o que sabemos ao que a protagonista sabe e, com isso, colocando os espectadores em uma posição de cumplicidade com a personagem. Assim, quando novas viradas e palpites anteriores são rejeitados, perdemos o chão junto de Cecilia e somos também testados ou descreditados no processo.

O sucesso da proposta se deve à exemplar economia com que Whannell trabalha o terror e provoca o espectador através de suas escolhas de enquadramento, desenho sonoro naturalista e, além disso, o medo que provém da ideia de uma ameaça literalmente invisível – o que em outras obras se confunde por translúcido. Embora tome seu tempo, a ansiedade cresce a cada vez que a câmera se desvia para o vazio, a cada vez que há espaço negativo no quadro, e o cineasta faz questão de nos pegar de surpresa ainda assim. Deve-se ressaltar ainda como a sutil emulação de manchas óticas na fotografia contribui para a paranoia.

Quando mergulha então nos momentos de terror frontal e direto, o cineasta adota um estilo diametralmente oposto mas igualmente funcional, com virtuosos planos longos que flutuam em volta dos embates entre Cecilia e seu perseguidor com um vigor invejável, e cuja brutalidade é alavancada pela música ruidosa de Benjamin Wallfisch – que, em outros instantes, troca para uma chave mais romântica e clássica com sucesso. Moss, que fez uma participação pontual em Nós e aqui estreia como protagonista de seu próprio terror, demonstra uma disposição física digna das melhores “final girls”.

Se Whannell usa tanto de componentes analógicos e digitais da linguagem audiovisual para elevar um terror que poderia ser apenas latente, é de se surpreender então a sensibilidade com que desenvolve em paralelo a esse show de horrores uma trama respeitosa com as complexidades do problema em questão: o abuso físico e psicológico dentro e além de um relacionamento. Afinal, mesmo se não houvesse qualquer Homem Invisível aqui, o estrago já estaria feito pelo ex na cabeça de Cecilia, uma vítima que passa por um árduo processo de recuperação.

Criando um equilíbrio exemplar entre a temática pertinente e a execução de seus – muitos – choques viscerais, O Homem Invisível se destaca mesmo em meio aos já impressionantes Corra! e Nós, evidenciando ainda uma evolução de seu realizador como uma das vozes mais promissoras do cinema de gênero atual. Caso a Universal continue investindo no que cada um de seus monstros tem de realmente assustador e não tente apenas seguir e recriar tendências externas, terá em breve um Dark Universe realmente digno de seu nome.

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.