Crítica: O Insulto
Indicado do Líbano ao Oscar traz drama delicado com embalagem de filme-pipoca
Sutileza é algo chave em filmes que tratam de delicados dilemas morais. O iraniano A Separação e o belga Dois Dias, Uma Noite são bons exemplos disso, permitindo que o público se envolva naturalmente com os problemas, qualidades e defeitos de seus personagens. O mesmo não pode ser dito do libanês O Insulto, indicado ao Oscar 2018 de Melhor Filme Estrangeiro.
O Insulto, do diretor Ziad Doueiri, não é um filme ruim. O desenrolar de sua história, apesar de melodramático, diverte de maneiras inesperadas, enquanto o amplo elenco entrega atuações verdadeiras que, sem muitos exageros, geram alguma empatia. O problema mesmo está na sensibilidade de Doueiri, que decide apresentar um drama pé-no-chão com clima de cinemão hollywoodiano. Logo explico.
A trama é simples: o cristão Toni Hanna (Adel Karam) entra em discussão com o obreiro muçulmano Yasser Salameh (Kamel El Basha) por causa de uma calha, e o segundo o xinga de “babaca do c#$@lho”. Hanna então exige um pedido de desculpas, e quando Salameh enfim decide se desculpar, o cristão apela com seu próprio insulto, o que leva o muçulmano a socá-lo. Daqui em diante, as coisas seguem de maneira tensa no tribunal e na mídia.
É uma história que procura estudar, a princípio, o que motiva o discurso de ódio. Os interessantes desdobramentos do enredo trazem profundidade a Hanna e Salameh, permitindo-nos a conhecer as cicatrizes um do outro. Não há heróis nem vilões definidos, e por isso é tão decepcionante que, embora levantando fortes discussões, as soluções para esse conflito surjam de uma maneira um tanto simplória.
Isso talvez não pesasse tanto caso Doueiri não tentasse tornar O Insulto no filme mais edificante da última semana. São movimentações de câmera ágeis, planos aéreos majestosos e, para um pior efeito, um uso bastante intrusivo e manipulador da trilha-sonora de Éric Neveux, que por sua vez não tem uma identidade clara e muitas vezes parece desconexa do material. Nada disso tudo é integral à história ao centro, e essa gordura acaba gerando uma sensação de excesso. Doeuiri poderia ter simplesmente deixado o intrigante material falar por si só.
No entanto, a humanidade debaixo da confeitaria toda ainda é suficiente para manter O Insulto de pé. Adel Karam e Kamel El Basha, que levou o prêmio de Melhor Ator em Veneza 2017, prendem a atenção logo de início com entregas maduras, o primeiro como um homem extremista e cheio de ira e o segundo como um sujeito combalido após tanta indignação. A transformação gradual dos dois, então, é fascinante sem deixar de ser plausível, conseguindo realizar algo quase impossível: fazer entender os dois lados.