Crítica: O Manicômio

Crítica: O Manicômio

Vale tudo por alguns segundos de fama?

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Em tempos de superexposição nas redes sociais e do aumento exponencial pela busca para alcançar a fama, são cada vez mais comuns atitudes que colocam o bom senso em xeque pela tentativa em ter cada vez mais curtidas e visualizações em canais do YouTube e em perfis do Instagram, por exemplo.

Sim, para uns e outros, você só é um ser humano relevante e digno de existir se o seu story bebendo vinho ou o seu vídeo tentando atravessar uma avenida sem condições mínimas de segurança, por exemplo, forem visualizados por meio mundo e tornarem-se virais. Ao considerar a teoria do filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), ainda de modo extremamente resumido, isto é reflexo da modernidade líquida, em que a essência do indivíduo é substituída pela efemeridade existencial – desta vez, com a vida online aparece como elemento catalisador desse tipo de comportamento.

Este é o mote do filme O Manicômio, suspense alemão com fortes elementos de terror dirigido por Michael David Pete, que coloca em perspectiva a cultura youtuber. Na trama, que remete a um crossover de A Bruxa de Blair com um programa teen, os youtubers Finn (Timmi Trinks), Charly (Emilio Sakraya), Chris (Davis Schulz), Betty (Nilam Farooq) e Marnie (Sonja Gerhardt), cujos canais na plataforma global de vídeos ultrapassam marcas de milhões de views, são guiados por Theo (Tim Oliver Schulz), o mais velho dos personagens, a um manicômio usado como palco de torturas e experimentos horripilantes realizados durante o regime nazista na Alemanha, onde eles deverão passar uma noite inteira para mostrar que o local é mal-assombrado.

Uma vez dentro do local, cujo acesso é restrito por autoridades governamentais, o grupo mostra que a única preocupação coletiva é com a repercussão que os vídeos – e os desafios propostos entre eles – terão entre os seus seguidores a ponto de fazerem piadas de gosto moralmente duvidoso com o viés cruel e desumano do regime totalitário e eugenista, para dizer o mínimo. Todavia, eventos misteriosos colocam suas respectivas vidas em risco e os fazem colocar em perspectiva o que julgavam ser aceitável.

O Manicômio pouco tem a dizer em termos estéticos e estruturais, e no que diz respeito à narrativa, que cai no famigerado mais do mesmo, pode até mesmo ser considerado o reflexo de uma geração e de uma sociedade cujos nortes são o exibicionismo barato em detrimento ao saber, no sentido lato do termo, e o desconhecimento sobre a história, o que pode levar ao desrespeito com atrocidades cometidas por motivos que também tiveram pouca ou nenhuma capacidade de reflexão. Em resumo: a sensação é de que indivíduos se tornaram orgulhosos da ignorância e fazem piada sobre o saber crítico.

O aspecto que talvez torne o longa minimamente relevante abrange o questionamento sobre os rumos que indivíduos e grupos sociais têm tomado em nome de pretensa popularidade no ambiente digital, uma vez que o bom senso e a reflexão sobre quais consequências determinados atos poderão ter em âmbitos individual e coletivo. Isso pode valer para situações diversas, que abrangem desde a banalização do bullying em nome de estilo questionável de humor a até mesmo o comportamento político social – neste aspecto, qualquer semelhança com os dias atuais talvez não seja uma mera coincidência.

Amauri Eugênio Jr

Jornalista. Cinéfilo, crítico cultural wannabe e interessado por assuntos relativos a esportes, direitos humanos e minorias. Foi redator de cinema do Yahoo por um ano.