Crítica: O Que Está Por Vir

Crítica: O Que Está Por Vir

Há um certo tipo de cinema que não segue as fórmulas estabelecidas, não possui claros começo, meio e fim e nem possíveis pontos de virada ou grandes catarses. São recortes específicos das vidas de suas personagens, com pé firme no presente e futuros em aberto. O apropriadamente intitulado O Que Está Por Vir, 5o filme da diretora francesa Mia Hansen-Løve, é mais uma agradável iteração neste tipo de cinema, um filme sobre a filosofia do dia a dia, feito de sutilezas e sem fatalismos.

Nathalie é uma professora de filosofia que se encontra em uma época desfavorável de sua vida pessoal: perde o contrato com a editora de seus livros, seu marido não só tem uma amante, mas também pede divórcio, enquanto a saúde mental de sua mãe piora constantemente. Inicialmente, Nathalie tem dificuldades em lidar com tais situações, mas não tarda a sentir que conquistou um imenso feito: a liberdade. Ela então decide assumir um ponto de vista desprendido do passado e das ânsias que toda mulher de sua idade se vê obrigada a confrontar. Fortalecem-se as relações com um de seus ex-alunos, Fabien, que a apresenta a um estilo alternativo de vida, longe das pressões da grande cidade.

Isabelle Huppert, imensamente prestigiada por seu papel no polêmico e inegavelmente problemático Elle, aqui apresenta uma atitude completamente diferente, mas tão poderosa quanto é capaz. Como uma mulher madura e de ar despretensioso, possui uma personalidade admiravelmente tranquila e terna. Os expressivos olhos de Huppert conseguem também transmitir uma gama de emoções, mas sempre mantendo um impressionante equilíbrio entre a doçura e a imponência, conferindo bastante realismo a Nathalie. O elenco de apoio também se segura, com destaque para a veterana Edith Scob como a espirituosa mãe, Yvette. O longa, porém, pertence absolutamente a Huppert, a qual nunca deixa de estar em cena.

Com roteiro da própria Hansen-Løve, O Que Está Por Vir é permeado por questionamentos filosóficos diversos. Até por retratar uma maioria de personagens envolvidos com a filosofia, seja na profissão acadêmica ou no estilo de vida, a presença recorrente de tais debates no longa é o que torna único. Não que seja uma proposta inédita, afinal existem filmes como os do falecido Abbas Kiarostami (aqui homenageado com um trecho de seu Cópia Fiel) e também pequenos clássicos como Ponto de Mutação, mas cada um destes filmes cria sua própria identidade ao apostar na natureza aberta e sem amarras da vida real, com personagens e divagações distintas, mesmo quando acerca de temas semelhantes.

Possuindo o melhor uso de Unchained Melody em memória recente, O Que Está Por Vir é o tipo de cinema do qual a humanidade urgentemente necessita. Posto que é um recorte específico, delimitado por linhas sócio-culturais, é o tipo de filme que ressoa com o público por traduzir com inteligência a essência incerta da realidade e da relação com o tempo. Assim como o belíssimo Aquarius, O Que Está Por Vir traz uma visão refrescantemente ampla das variáveis possibilidades na vida de mais uma complexa e ricamente escrita protagonista, engrandecida ainda mais pela atriz que a encarna.

FICHA TÉCNICA
Direção: 
Mia Hansen-Løve
Roteiro: Mia Hansen-Løve
Elenco: Isabelle Huppert, André Marcon, Roman Kolinka, Edith Scob
Produção: Charles Gillibert
Fotografia: Denis Lenoir
Montagem: Marion Monnier
Duração: 102 min
Gênero:  Drama

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.