Crítica: O Retorno do Herói

Crítica: O Retorno do Herói

Comédia retrógrada ou apenas “à moda antiga”?

Imagem do filme 'O Retorno do Herói'

Personagens que se fazem passar por outros em busca de reconhecimento, dinheiro e amor são figuras recorrentes nas comédias desde os tempos de Shakespeare, passando por Cyrano de Bergerac e tantos outros exemplos. O francês O Retorno do Herói faz parte desta tradição que o cinema herdou do teatro e da literatura, mas sem muitas pretensões além disso, o que o coloca praticamente de forma proposital na vala comum.

No filme, que se passa no início do século XIX, o Capitão Neuville (interpretado por Jean Dujardin, vencedor do Oscar por O Artista) fica noivo da jovem Pauline (Noémie Merlant) pouco antes de ser mandado à Guerra. Enquanto a jovem agoniza em casa sem notícias do amado, a irmã dela, Elisabeth (Mélanie Laurent, de Bastardos Inglórios), resolve responder suas cartas se fazendo passar pelo sujeito, caprichando na imaginação de detalhes, que incluem até deixar nas entrelinhas sua suposta morte como sacrifício em nome da pátria. Anos depois, o homem retorna à cidade, como um fugitivo bêbado e intragável.

A trama traz algumas semelhanças com a peça teatral O Berço do Herói, escrita no final dos anos 60 por Dias Gomes, que posteriormente foi transformada na novela Roque Santeiro, um dos maiores sucessos da TV brasileira em todos os tempos. Em ambos os casos há como protagonista um militar transformado em ídolo durante sua ausência, por interesse de outras pessoas, que volta à antiga comunidade escondendo o fato de ser um desertor do exército, mas forçado a manter a pose devido a um jogo de interesses.

Se no texto de Gomes, que permance atual, a intenção era criticar a maneira como os setores mais influentes da sociedade usam a imagem de soldados como lhes convém, aqui este subtexto não existe, muito por conta da construção caricatural de seus personagens. O Capitão Neuville, por exemplo, é um fanfarrão mulherengo e oportunista. Sua covardia no front é tratada pelo filme como piada, o que torna mais difícil engolir a redenção que lhe reserva a parte final do roteiro, escrito por Grégoire Vigneron e Laurent Tirard (de O Pequeno Nicolau e Um Amor à Altura), também responsável pela direção.

No papel de Elisabeth, Mélanie Laurent, principal companheira de cena de Dujardin, está presa a uma personagem sem qualquer interesse que não seja manter de pé a farsa que criou. Ela é solteira por convicção, embora o longa nunca apresente quais são seus valores e ideais, preferindo representá-la como uma mulher frígida.

Mesmo quando vagamente tenta soar contemporâneo, O Retorno do Herói não faz mais do que um blefe. É o caso da cena em que Elisabeth insiste que gostaria de receber o mesmo que seu “sócio” numa armação entre os dois (“Não estamos mais na Idade Média”, argumenta, numa alusão às discussões sobre disparidade salarial entre homens e mulheres), mas se contenta em ficar com menos, 49% x 51%.

Com seu tipo de humor que beira o pastelão (gente caindo na água de roupa e tudo, um bebê que leva um cuspe na cara, entre outros momentos) e figuras sem profundidade escondidas pelos belos cenários e roupas de época, o filme é aquilo que alguns irão chamar de “comédia à moda antiga”. Mas pode ser chamada de retrógrada também.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil