Crítica: Os Meyerowitz – Família Não Se Escolhe
Se Embriagado de Amor (2002) não era o suficiente para confirmar o talento de Adam Sandler, então Os Meyerowitz chega para consagrar sua posição como um bom e competente ator de cinema. O elenco todo brilha nas entrelinhas do eclético roteiro de Noah Baumbach (que também assina a direção do filme), experiente companheiro de Wes Anderson. Com direção e cinematografia simplista, Baumbach opta por entregar os holofotes às atuações, ao roteiro, ao envolvente design de produção e à notável montagem. E, para quem estava com saudades de ver o veterano Dustin Hoffman em um ótimo papel, seu personagem Harold vai convencê-los de que o ator está sempre pronto para entregar interpretações convincentes.
O que de cara chama a atenção do espectador, é a súbita trilha sonora de Randy Newman e a paleta fria e contida da obra, combinando acordes irônicos e melancólicos e cores campestres que ajudam na dramaticidade e na comicidade das cenas. Logo mais, notamos a presença de um diálogo excessivo e onipresente dos personagens, que vai caracterizando-os aos poucos, evitando abordagens superficiais. Com tudo isso, já vamos preparando todo o terreno do que está por vir durante quase duas horas de produção.
Passado em Nova York, o filme rapidamente nos apresenta Harold Meyerowitz (Dustin Hoffman), o patriarca da família, casado com Maureen (Emma Thompson) e pai de Matthew (Ben Stiller), Danny (Adam Sandler) e Jean (Elizabeth Marvel). Escultor aposentado e extremamente vaidoso, ele fica satisfeito ao saber que está sendo organizado uma exposição para celebrar seu trabalho artístico. Só que, em meio aos preparativos, Harold adoece e faz com que todos os filhos precisem se unir para ajudá-lo a se recuperar, o que resulta em várias situações que colocam a limpo traumas do passado.
Com o desenrolar da história, vemos que a maior vantagem do filme é o complexo de comédia e drama que ganha corpo ao longo de seus três atos. A obra se faz momentaneamente cômica, na maioria das vezes em instantes isolados, porém num contexto geral. É o drama ditando as normas da narrativa, que é por onde a temática da história se passa: nas angústias e divergências dos personagens. Obviamente, quem dá vida a esses personagens são os atores, que preenchem a grande feijoada com interpretações valiosas, principalmente as de Adam Sandler e Dustin Hoffman, que estão bem melhores juntos do que no desastroso Trocando os Pés (2014). Porém, o roteiro também abre espaço para que Ben Stiller e Emma Thompson possam brilhar. Elizabeth Marvel é a única que parece mais deslocada nesse meio, mas não decepciona.
Surpreendentemente, o que menos me chamou atenção foi a fotografia do experiente Robbie Ryan, diretor de fotografia de filmes como Philomena (2013) e Eu, Daniel Blake (2016). Com exceção de alguns enquadramentos duvidosos e movimentos desnecessários, o cinematógrafo optou por uma estética naturalista (o que combina perfeitamente com o filme), sem muitos rodeios. A fotografia não chega a pecar, pois cumpre com o prometido, mas em minha opinião poderia ter tido mais expressão, uma vez que todos os outros aspectos técnicos possuem um destaque no longa-metragem.
Noah Baumbach novamente se sai bem melhor na elaboração do roteiro do filme do que na direção, ainda que seja bom em ambos. O enredo conta com algumas peripécias humorísticas de dar gosto a todos os públicos, além de um drama profundo, visto no dedilhar das cenas. Já a direção, não aparece como um dos grandes chamativos da obra, a não ser pelo fato de ter garantido um bom desempenho da equipe técnica e de seu elenco, que é quem realmente faz o filme ser uma obra memorável.
Após conferir Os Meyerowitz, não há crítico de cinema que não fique se coçando para comentar sobre a brilhante direção de arte da obra. Idealizada por Gerald Sullivan, a arte do filme deslumbra qualquer expectador com cenários complexos, carregados de móveis de madeira e objetos variados, que combinam sem desvios com os graciosos figurinos dos personagens. Esse prazer visual traz uma identidade particular para o filme, pouco visto em comédias dramáticas, a não ser aquelas dirigidas por Wes Anderson, que como já citei, trabalhou junto à Baumbach em outras ocasiões, o que possivelmente justifica a inspiração/importância artística da obra.
Por fim, preciso comentar sobre um dos artifícios mais interessantes usado nessa produção Original Netflix: a montagem. Usando de um recurso que ouso chamar de montagem “assassina”, a montadora Jennifer Lame trabalha com cortes secos que quebram completamente a fala dos personagens (principalmente as de Danny), mas curiosamente não o sentido das cenas. Pode parecer arriscado e possivelmente algo ruim, mas garanto que é muito bem realizado, cogitado para fins cômicos, provocando no expectador uma sensação rara e prazerosa. Por essa e outras, a edição do filme é uma das coisas mais agradáveis do filme e que mais auxiliam na construção do humor, algo dificilmente encontrado.
Os Meyerowitz – Família Não Se Escolhe é mais um definitivo acerto da Netflix, e um filme que provavelmente será lembrado por ter provado de vez a versatilidade interpretativa de Adam Sandler (um dos atores mais menosprezados pela crítica atualmente), mas que também deveria ser lembrado por sua audácia temática e técnica, valorizando o trabalho de cada profissional responsável por essa considerável pérola do cinema contemporâneo.
FICHA TÉCNICA
Direção e Roteiro: Noah Baumbach
Produção: Scott Rudin, Noah Baumbach, Lila Yacoub, Eli Bush
Elenco: Adam Sandler, Ben Stiller, Dustin Hoffman, Elizabeth Marvel, Emma Thompson, Grace Van Patten, Candice Bergen, Rebecca Miller, Judd Hirsch, Adam Driver, Sigourney Weaver
Direção de Fotografia: Robbie Ryan
Direção de Arte: Gerald Sullivan
Montagem: Jennifer Lame
Música: Randy Newman
Gênero: Drama / Comédia
Duração: 112 min.
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