Crítica: Papillon
Vitória da resiliência
O esforço pela sobrevivência é o que mais impressiona na história real do francês Henri Charrière, um ladrão de cofres preso em Paris no começo do século XX acusado injustamente de assassinato. Sua trajetória foi contada na biografia Papillon, best-seller que tem como título seu apelido (“Borboleta”, em português) e já levada ao cinema em 1973, num longa escrito pelo lendário Dalton Trumbo, em parceria com Lorenzo Semple Jr, e dirigido por Franklin J. Schaffner.
Não é difícil imaginar o que fez Trumbo, cuja vida foi contada recentemente em uma cinebiografia estrelada por Bryan Cranston, se interessar por esta trama. Afinal, ele também fora obrigado a passar longos anos em isolamento, como um pária dentro da comunidade de Hollywood na época da “caça às bruxas”, em plena Guerra Fria, quando cidadãos eram perseguidos e impedidos de trabalhar por demonstrar apoio a questões ligadas ao partido comunista.
A via-crúcis enfrentada pelo personagem principal é daqueles contos inspiradores sobre manter a esperança diante das condições mais adversas. Confinado a décadas de encarceramento na remota Guiana Francesa, tendo encarado torturas físicas e psicológicas com extrema resiliência ao mesmo tempo em que planejava uma fuga considerada impossível, Papillon nunca desistiu.
Quarenta e cinco anos depois, esta história volta às telas. Agora é a vez de Charlie Hunnam (de Rei Arthur – A Lenda da Espada) substituir Steve McQueen no papel principal, enquanto Rami Malek (da série Mr. Robot) entra no lugar de Dustin Hoffman como o falsificador Louis Dega. Os dois personagens se cruzam e negociam uma troca de favores: enquanto Papillon protege o franzino Dega dos ataques de companheiros da prisão, este lhe garante o dinheiro necessário para viabilizar uma sonhada escapada pelo mar rumo à liberdade.
Como é comum em filmes ambientados em penitenciárias, a trama ressalta o processo de desumanização pelo qual indivíduos são submetidos nesta situação. São feitos de escravos, têm comida escassa à disposição e guardam o que é de valor dentro do intestino – tornando a diarréia, por exemplo, num momento ainda mais desesperador do que normalmente seria. A quem for pego tentando fugir, a mais branda das punições é passar dois anos na solitária. A outra é a guilhotina. As cores quentes ressaltadas na tela transmitem o calor tropical, também um fator que castiga aqueles sujeitos acostumados ao clima europeu.
O cineasta Michael Noer filma este contexto sem fugir muito de uma estética clássica. Quando se solta um pouco mais, registra seus atores com a câmera na mão, com o intuito de aproximar ainda mais o público do sofrimento daqueles homens, como num reality show de sobrevivência em locais inóspitos do Discovery Channel.
Já em outra sequência, quando Hunnan está à beira de perder a sanidade, surge uma montagem levemente delirante, com imagens de sua antiga namorada (interpretada por Eve Hewson, filha do cantor Bono Vox) e de Malek como um mímico de rua, numa noite boêmia por Paris. Um instante de suspensão em meio a uma história contada na maior parte de seus 133 minutos de maneira tradicional.
Noer parece confiar que a potência do enredo em suas mãos é suficiente. Porém, o cinema já explorou tantas epopéias de superação parecidas que falta algo que faça o remake de Papillon se sobressair às demais. É um bom exemplar do gênero, ainda assim.