Crítica: Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma
Por Fernando Pivotto
Se você reler minha crítica sobre Episódio IV, vai ver que eu achei que seria uma ótima ideia escrever sobre Star Wars. Isso até começar a escrever. Pior ainda: quando surgiu a ideia entre a galera da redação, eu disse que queria pegar o Episódio I, porque “seria divertido”. Pobre eu.
Mas você está aqui, lendo esse texto, certo? Então vamos nos divertir juntos.
Star Wars, nós sabemos, foi um boom cultural. Ao longo de seis anos, a trilogia clássica (1977 – 1983) conseguiu apresentar um universo muito particular, com uma mitologia intrincada, contexto político e personagens carismáticos envolvidos numa batalha significativa. Não à toa, Star Wars conquistou um lugar de destaque na cultura pop (extrapolando a indústria cinematográfica e criando ramificações em outros extratos da sociedade) e angariando uma legião de fãs fiéis.
Isso, como eu já disse, entre o final da década de 1970 e começo da de 1980. Mas e daí pra frente?
Quase duas décadas separam o lançamento do último episódio da trilogia clássica e o primeiro da trilogia de prequels. A história principal já estava satisfatoriamente concluída, e o universo se expandia através de livros e outras mídias, consumidos regularmente pela já citada legião de fãs fiéis. Porém, como é de se imaginar, depois da febre de Star Wars a legião estava mais comedida, faminta por novos produtos mas não com a mesma voracidade que durante o apogeu da franquia. Outro problema sério: novos fãs, embora surgissem graças a reexibições, a lançamentos de novas versões em VHS e a outras ações promocionais, eram conquistados em marcha lenta, ainda que constante.
Interessado em expandir de modo significativo a história da sua vida, ao mesmo tempo em que queria conquistar uma nova geração de entusiastas, na virada do milênio George Lucas lançou o primeiro ato de uma nova trilogia que agora não mostraria a derrocada, mas sim a construção de um dos maiores vilões de todos os tempos: Darth Vader.
Recapitulando: Lucas iria dedicar sua nova trilogia ao seu personagem mais icônico, utilizando uma infraestrutura indisponível na época dos filmes clássicos, além de tecnologia de ponta. Não tem como dar errado, tem?
Já dizia o sábio que a expectativa é a mãe da decepção. E a expectativa, como você pode imaginar, estava nas alturas lá pelo final dos anos 1990, com os fãs ansiosos em revisitar memórias preciosas de infância, ao mesmo tempo em que esperavam construir novas tão significativas quanto. Não tem como dar certo, tem?
Mesmo que Episódio I fosse o filme do século, não conseguiria atender às expectativas irreais de dezenas de milhões de nerds ao longo do mundo. A coisa ainda piora consideravelmente graças ao fato de que A Ameaça Fantasma é horrível.
Pense em tudo que deu certo em Uma Nova Esperança no tocante a apresentação de universo, construção de personagens e progressão de trama. Pois é. Agora você sabe o que deu errado.
Primeiro de tudo: se Lucas não era lá um grande arquiteto de histórias na trilogia clássica, criando becos sem saída aqui e ali (o beijo de Luke e Leia, por exemplo), já era de se esperar que ele teria problemas em costurar mais três filmes, passados décadas antes dos episódios originais. Traçar a trajetória do fim da República Galáctica e o início do Império, da queda da Ordem Jedi, da corrupção de Anakin Skywalker – e o nascimento de seus gêmeos, Luke e Leia – do exílio de Obi-Wan e de Yoda já seria, convenhamos, um trabalho hercúleo para qualquer escritor talentoso.
Segundo: encontrar e dirigir atores talentosos e carismáticos, que cativem o público ao mesmo tempo em que honrem o legado dos atores originais e deem credibilidade à fantasia que pode facilmente cair no caricato já seria, convenhamos, um trabalho hercúleo para qualquer diretor de elenco talentoso.
Terceiro: encontrar o equilíbrio entre efeitos práticos e CGI; encontrar o equilíbrio entre a trama política e o clima de aventura e deslumbramento; encontrar o equilíbrio entre apresentar novos personagens e mundos, ao mesmo tempo em que se reapresenta personagens conhecidos dos fãs; tudo isso já seria, convenhamos, um trabalho hercúleo para qualquer diretor talentoso.
O problema é que George Lucas não é nenhum dos três.
A Ameaça Fantasma tem um andamento truncado, transitando entre embargos comerciais, intrigas palacianas, escravidão, investigação sobre a ascensão dos Sith, aventura infantil e comédia física. Incapaz de se decidir por qual história quer contar e por não conseguir se aprofundar em nenhum dos temas propostos, Lucas apresenta um coral de tramas e subtramas que mais confunde o espectador do que amplia as questões elaboradas na trilogia original.
Mais do que isso, Lucas faz escolhas arriscadas, que podem prejudicar o que já estava estabelecido antes. Ao colocar as midi-chlorians, o roteiro tira o misticismo da Força e a estabelece como uma questão genética. Menos religião e mais X-Men, sabe? O mesmo se dá sobre a concepção de Anakin: sério mesmo que a história mais plausível para o principal vilão da franquia é que a Força o fez? Claro, é uma escolha válida, mas uma vez que a relação entre Anakin e sua mãe é pouco explorada, e esse assunto nunca é adereçado objetivamente em nenhum dos três novos episódios, essa informação é menos um dado e mais um ruído de comunicação.
Tudo bem que os fãs criaram mil teorias a partir deste fato, mas se os fãs estão preenchendo as lacunas mal estabelecidas, o mérito é dos fãs, não de Lucas.
O casting também é um problema. O elenco todo funciona mal, primeiro porque Lucas já é um péssimo diretor de atores, segundo porque ninguém tem muita noção do que está fazendo, seja elenco ou direção. As pontes entre Anakin e Darth Vader, e Obi-Wan padawan e o mestre Jedi de A Nova Esperança são mal-ajambradas, a gente só sabe que são os mesmos personagens porque eles carregam o mesmo nome, e porque nós já sabemos o que eles vão se tornar. A melhor coisa é o Qui Gon de Liam Neeson mas, convenhamos, ele não é um personagem tão fundamental para o andamento da trama – ok, ele vê potencial no Anakin; ok, ele pede a Obi-Wan adotar como discípulo um guri que ele mal conhece e do qual ele não gosta; ok, ele desafia o Conselho Jedi. Mas se todas essas funções já fossem dadas a Obi-Wan, nós não só teríamos uma relação melhor construída desde o começo, como daríamos ao personagem de Ewan McGreggor mais função no Episódio I.
E Anakin, famoso “grande piloto” segundo a trilogia clássica, mostra sua habilidade numa corrida de pod racers desnecessariamente longa e super ancorada em efeitos visuais que já envelheceram mal, e que se inspira no Ben-Hur (1960) de William Wyler, mas passa vergonha na comparação. Bom, a corrida pelo menos serviu pra vender jogos de Nintendo 64.
Pra não falar que não citamos os (raros) momentos bons, falo aqui de Duel of The Fates, música icônica de John Williams, única dos prequels que teve impacto, e da impressionante luta entre Qui Gon, Obi-Wan e Darth Maul no final do filme. É a primeira vez que vemos uma luta de sabres-de-luz entre Jedi e Sith que estão no ápice de seus poderes e que receberam treinamento formal de luta. A coreografia é impressionante, e se a luta tivesse o lastro emocional de, digamos, a luta entre Luke e Darth Vader no Episódio V, estaríamos diante de ouro puro.
Mas estamos diante de Episódio I.
Ainda assim o filme cumpre, meio que de qualquer jeito, a tarefa de apresentar Star Wars a uma nova geração. Eu mesmo vi o filme no lançamento, e saí da sala de cinema uma criança deslumbrada com as aventuras intergalácticas que se passavam há muito tempo, numa galáxia muito distante.
Conseguir conquistar novos fãs mesmo com um tenebroso Episódio I só prova que a Força é poderosa com George Lucas.
PS: Não, eu não vou falar sobre o Jar Jar Binks. Diferente do Lucas, eu respeito vocês demais pra fazer uma coisa dessas. Não precisam agradecer.
STAR WARS: EPISÓDIO I – A AMEAÇA FANTASMA
Roteiro e direção: George Lucas
Elenco: Liam Neeson, Ewan McGreggor, Natalie Portman, Jake Lloyd, Iam McDiarmid, Anthony Daniels, Frank Oz, Kenny Baker, Ray Park, Ahmed Best.
Duração: 136 min