Crítica: Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança
Por Fernando Pivotto
Assim que a equie do Cinematecando combinou de fazer críticas de Star Wars para preparar o terreno para a estreia de Rogue One, eu pensei que seria uma ideia ótima, e uma oportunidade muito divertida de escrever sobre uma das minhas sagas prediletas. Assim que eu sentei para escrever, me dei conta de como isso seria um problemão: afinal de contas, como escrever sobre uma de minhas sagas prediletas?
Além de toda a memória afetiva, há uma segunda problemática: o que resta para ser dito sobre Star Wars? Nestas décadas, a saga que se passa há muito tempo atrás, numa galáxia muito distante já passou pelo escrutínio de um sem-número de fãs, críticos e teóricos de cinema. Então, o que ainda resta pra ser dito?
Se a gente estivesse fazendo um especial de Harry Potter (pra citar outra saga maravilhosa), e se eu, digamos, começasse a escrever sobre A Criança Amaldiçoada, seria moleza. Primeiro porque, convenhamos, A Criança Amaldiçoada é terrível, dá pra sentar o dedo sem dó. Segundo porque, por mais maravilhosa que seja, a saga Harry Potter não mudou o paradigma da mesma forma que Star Wars mudou.
Pra gente que nasceu nesse mundo pós-Star Wars, depois do estabelecimento da cultura de blockbusters, de licenciamento, de filmes-evento, talvez seja um pouco difícil de entender o impacto que Uma Nova Esperança causou em 1977. Mas naquela época, o lançamento foi imenso. Não, não foi imenso do mesmo jeito que o anúncio dos episódios VII, VIII e IX foi. Não foi imenso do tamanho da estreia de O Despertar da Força foi, nem do tamanho que Rogue One vai ser. Foi imenso, imenso. Foi histórico.
Mas eu estou me antecipando. A história da reinvenção da indústria cinematográfica (e de brinquedos, e de comida, e de chaveiros, e de roupas, e de utensílios domésticos, e de…) vale um artigo à parte. Aqui vamos focar só no Episódio IV – Uma Nova Esperança.
Não, não. Estou me antecipando de novo. Uma Nova Esperança não seria rebatizado e ganharia a classificação de 4º capítulo da ópera espacial até meados dos anos 80, quando do lançamento do (Episódio V) Império Contra-Ataca. Aqui eu quero falar do primeiro filme da franquia antes dele ser… bom, antes dele ser o primeiro filme de qualquer franquia.
Se a gente vai realmente falar de Star Wars, vamos falar sem caô: a saga nunca foi planejada para ter de 6 a 9 episódios, conforme já foi tão alardeado. Sério. Não foi. Todo mundo sabe disso, e se você não é todo mundo, permita-me explicar: George Lucas, homem de visão, depois que assinou o contrato para a produção das continuações, foi colocando peças aqui e ali sobre as quais construiria os filmes seguintes – por isso Darth Vader não morre no primeiro filme, e por isso todas as pontas soltas em Império. Mas, ao mesmo tempo, Lucas apostou em fazer um filme o mais redondinho possível, para contar sua história do modo mais completo que conseguisse. Agora, se essa estratégia foi boa, e se todas as peças se encaixam ao longo da trilogia clássica – e, principalmente, se a trilogia de prequels se encaixa direitinho nos filmes originais – isso são outros quinhentos.
É só você ver o Obi-Wan falando que os Stormtroopers são exímios atiradores, só pros soldados nunca mais acertarem um tiro ao longo de três filmes. Ou Obi-Wan fingindo que não conhece C3PO ou R2-D2 a troco de nada, apesar dos episódios I, II e III. Ou o Obi-Wan (sempre ele) falando que Darth Vader matou o pai do Luke, só pra depois ele vir com um “veja bem, não foi bem assim, foi uma morte metafórica”, rendido pelo plot twist do filme dois. Ou Leia e Luke se beijarem no filme dois só pra serem rendidos pelo plot twist do filme três, em que descobrem que são irmãos. É. Pois é.
E tem o Darth Vader, um dos maiores vilões da cultura pop, um dos maiores ícones do cinema, que em Uma Nova Esperança é…bem… só um capanga chiliquento. Pode reparar: Darth Vader não é grandes coisas no primeiro filme, não. Ele grita, ele mete o dedinho na cara, ele é subestimado pelos seus aliados (“não tente nos assustar com suas feitiçarias, Lord Vader, sua triste devoção a esta religião antiga não o ajudou a recuperar as informações roubadas, nem lhe deu a clarividência suficiente para encontrar a base rebelde secreta”, diz um oficial numa reunião) e por seus inimigos (“Governador Tarkin! Eu estava esperando encontra-lo, segurando Vader pela coleira”, diz Leia ao encontrar o comandante supremo da Estrela da Morte). Vader sequer mata Obi-Wan, já que é o Jedi que se entrega na luta, para auxiliar o Luke. Claro, claro, Vader vai receber o tratamento merecido em O Império Contra-Ataca e vai se tornar, ao longo dos anos, o ícone que nós todos curtimos, mas em Uma Nova Esperança ele é só um pau mandado – e o Kylo Ren tem mais autoridade na Nova Ordem do que Vader tinha antes da queda do Grand Moff Tarkin.
Apesar da evolução da história ser meio truncada aqui e ali ao longo da trilogia clássica, é inegável que Uma Nova Esperança consegue, com louvor, apresentar uma mitologia encantadora. Em duas horas – e com um texto introdutório a la Flash Gordon – Lucas consegue apresentar a ordem decadente dos Jedi, o Império e seu impacto nos sistemas planetários e a insurreição da Aliança Rebelde. Uma mitologia tão extensa, tão intrincada e tão marcante – boa sorte para tentar encontrar alguém que nunca ouviu falar em sabres de luz, na Força ou na Estrela da Morte – , que encantou e continua encantando as pessoas há quase 40 anos. Não importa quais são os pecadilhos do filme, como o ritmo um pouco inconsistente ou as coincidências absurdas que só existem pelo bem do enredo: a capacidade que ele tem de ser o núcleo de uma série que continua sendo relevante há quatro décadas é fenomenal.
Grande parte disso se dá graças ao casting soberbo, que mescla atores tarimbados como Peter Cushing, James Earl Jones e Alec Guinness a novatos carismáticos como Mark Hamill, Carrie Fisher e jovens promissores do quilate de Harrison Ford, todos impressionantes mesmo nas mãos de um notório péssimo diretor de elenco como Lucas. Outra parte é a grande capacidade de Lucas em entender e retrabalhar a estrutura do monomito. Estão presentes no filme os passos fundamentais da Jornada do Herói, do “chamado à aventura” ao “regresso com o elixir”, quase como se Lucas escrevesse e dirigisse com a cartilha ao lado – não por acaso, na década de 80 Lucas flertou com Joseph Campbell, sumidade no assunto. O domínio de Lucas sobre as mecânicas dos mitos mais cativantes à psicologia, somado à sua capacidade de selecionar e antropofagizar elementos de outros produtos culturais – os filmes sobre as grandes guerras do século XX, a cultura oriental, Flash Gordon e outras ficções científicas B dos anos 50 – e a um visual arrebatador, premiado com o Oscar de Figurino, Efeitos Visuais e Direção de Arte inserem Guerra nas Estrelas no rol de ícones culturais contemporâneos.
Agora, pra ver como Lucas refinou seu trabalho nos episódios V e VI, e como ele fez o que fez nos episódios I, II e III, fique de olho no nosso especial sobre Star Wars.
E que a Força esteja com você!
STAR WARS: EPISÓDIO IV – UMA NOVA ESPERANÇA
Lançamento: 25 de maio de 1977
Duração: 121 min
Direção: George Lucas
Roteiro: George Lucas
Elenco: Alec Guinness, Peter Cushing, James Earl Jones, Mark Hamill, Carrie Fisher, Harrison Ford, Anthony Daniels, Kenny Baker, Peter Mayhew, David Prowse
Trilha Sonora: John Williams
2 comentários sobre “Crítica: Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança”
Comentários estão encerrado.