Crítica: Submersão
Novo filme de Wim Wenders parece inteiramente escrito no improviso
Uma boa ideia raramente sobrevive à tradução para o cinema sem uma execução clara. É o que acontece como o veterano Wim Wenders em seu novo longa de ficção, Submersão. Numa tentativa promissora de misturar existencialismo, romance e suspense de espionagem, Wenders se perde em meio a seu filme, um monstro de Frankenstein.
No início, tudo parece bem. A trilha musical de Fernando Velázquez surge com certa elegância, assim como o rosto de Dani (Alicia Vikander) dentro de um traje de mergulho colossal. A bióloga marinha testa o aparato com uma aparente angústia, cuja razão se revela logo em seguida: um amante que não deu mais retorno. Somos então introduzidos ao ponto de vista desse amante, James (James McAvoy), um espião que se encontra em um cativeiro da Jihad em um país da África. Esse pulo inicial entre realidades muito diferentes intriga, e o enredo volta no tempo para mostrar o que levou àquilo.
Submersão assume então a forma de um romance, em que os encontros ao acaso entre Dani e James levam à formação de um forte vínculo entre os dois. O amor nutrido por eles logo é interrompido por obrigações profissionais de James, que deve viajar à África com a perigosa missão de espionar e deter uma célula terrorista. Enquanto isso, Dani faz uma importante viagem de pesquisas no mar abissal, que também pode apresentar grandes riscos de vida. Se isso soa emocionante, na tela o efeito não é o mesmo.
É interessante a proposta do roteiro de Erin Dignam, adaptado do livro de J.M. Legard, de desafiar a lei de Murphy com o pretexto de um grande filme de romance, mas para o sucesso disso é necessária a mais precisa das execuções. Infelizmente Wenders, que já foi um exímio cineasta tanto de ficção quanto documentários, parece completamente indeciso quanto ao sentimento que quer transmitir em Submersão. Há grande dissonância nos arcos de Dani e James, e por mais que cenas isoladas tenham algum efeito dramático, a organização delas em uma estrutura maior confusa quase chega a anulá-lo. O longa funciona melhor, na verdade, quando ainda está “limitado” a ser um romance, e não um thriller global / existencialista / romântico / yadda yadda yadda. Portanto é a porção inicial da história que, embora genérica, justifica o mínimo envolvimento com o resto.
A respeito do elenco, não só a linha narrativa de Dani não faz jus à de James como também Vikander se segura menos que McAvoy em cena. Não é um mau trabalho de interpretação, mas, talvez até por sua personagem desinteressante, a atriz sueca não apresenta a mesma presença cativante vista em trabalhos como Ex Machina – Instinto Artificial e Tomb Raider – A Origem. E por mais que esteja longe de ser a melhor interpretação do escocês McAvoy, o ator consegue emocionar (ou pelo menos entreter) até quando entrega péssimos diálogos (a discussão sobre atentados terroristas, por exemplo).
Desses diálogos, alguns até se salvam por uma realização estética mais inspirada. Por exemplo, uma das primeiras conversas entre Dani e James é enquadrada de maneira a evitar o genérico do arranjo plano/contra-plano, com Wenders criando uma bela rima visual que posiciona os olhos dos dois no mesmo quadrante da tela. Quando não há esse tipo de olhar presente (ou seja, grande parte do tempo), as extremas obviedades do texto saltam facilmente, minando a seriedade do material e tornando sua abordagem de temas políticos delicados comicamente e discutivelmente grosseira.
Não há nada de errado com um filme que ousa mudar de marcha constantemente. O nacional As Boas Maneiras está aí para mais uma vez provar isso. No entanto, Submersão não parece ser calculado para que suas curvas de enredo e tom tenham bom efeito, deixando a infeliz impressão de que Wenders escreveu seu filme todo em um exercício de ad lib – um improviso. É também a perfeita alegoria para o dizer “nadou, nadou e morreu na praia”.