Crítica: The Alienist (1ª Temporada)

Crítica: The Alienist (1ª Temporada)

Com direitos adquiridos pela Netflix, série The Alienist se mostra uma produção de primeira e merece atenção do público

Todo consumidor de séries que se preze sabe que de vez em quando aparece um seriado de época para nos maravilhar através de uma fidelíssima direção de arte que compõe meticulosamente cada ambiente. Interiores e exteriores carregados de antigos objetos de cena, charmosas vestimentas e tudo aquilo que estamos acostumados. Foi assim com séries como Downton Abbey, Penny Dreadful, The Crown e Sherlock. A lista é grande, mas percebe o que todas essas citadas possuem em comum? Todas são primariamente britânicas, ainda que com leve influência estadunidense.

Já a nova série The Alienist é integralmente americana, e busca retratar a cidade de Nova Iorque durante o ano de 1986, quando uma onda de assassinatos de meninos prostitutos começa a ocorrer. Com a irresponsabilidade (e corrupção) do departamento de polícia da cidade, quem assume a investigação é um trio de especialistas formado pelo alienista Laszlo Kreizler (Daniel Brühl), o ilustrador jornalístico John Moore (Luke Evans) e Sara Howard (Dakota Fanning), a sagaz e destemida secretária do até então comissário de polícia, Theodore Roosevelt (Brian Geraghty). Os três passam a elaborar um método de pesquisa responsável por desenvolver as primeiras técnicas da psicologia na investigação criminal, fazendo do possível e do impossível, do legal e do ilegal para encontrar o assombroso serial killer.

A trama da série se constrói com fortes bases no terror psicológico e é contada de maneira dinâmica no decorrer dos episódios, para não cansar com várias informações técnicas e discussões aprofundadas sobre a psicologia do assassino (o que claramente existe durante os episódios, mas de maneira comedida). Não faltam também frases de efeito que nos provocam questionamento sobre o que somos, como agimos, e por quê. A série possui sim algumas insuficiências narrativas como arcos mal resolvidos ou até mesmo sua falta de coesão da história como um todo.

Mas os roteiristas sabem como fazer o público permanecer ansioso através de uma atmosfera específica de suspense em torno dos personagens, que, sendo a maioria deles muito bem formulados com qualidades e defeitos, sabe onde criar a identificação. Realmente adentramos no clima investigativo do trio, que logo se firma como quinteto ao incluir dois detetives na equipe, os irmãos judeus Marcus Isaacson (Douglas Smith) e Lucius Isaacson (Matthew Shear), que embora acrescentem ao enredo, seguem como personagens secundários (que inclusive é o que não falta).

Além de uma história principal que cativa, o que talvez mais chame a atenção da série seja seus personagens. O protagonista, Dr. Kreizler, é provavelmente o mais interessante de todos. Astucioso, inteligente e ousado, porém também orgulhoso, provocativo e muitas vezes desumilde. Oculta sua sensibilidade por trás de uma máscara intelectual. Enquanto isso, John Moore é dotado de masculinidade, mas não exatamente de maneira estereotipada e sem escrúpulos. Possui uma alma receptiva e acolhedora. E por fim temos Sara Howard, uma ambiciosa e dedicada jovem que representa a primeira mulher a ingressar no departamento de polícia de Nova Iorque. A série sabiamente usa a personagem para expor o preconceito e o fortíssimo machismo da época, que colocava a mulher como um mero sexo frágil incapaz de atividades até então “masculinas”.

Luke Evans encontra aqui um papel sem esforços, mas importante para a história. Já o show fica por conta de Daniel Brühl e Dakota Fanning, que individualmente estão tão interessantes quanto em seus mais recentes trabalhos no cinema (7 Dias em Entebbe e Tudo Que Quero). Ambos transmitem sentimentos com olhares, expressões e diálogos muito bem escritos que só têm a complementar na exímia caracterização dos personagens. Atores coadjuvantes como David Wilmot (que interpreta um indecente chefe de polícia) e Brian Geraghty (como um honrado Theodore Roosevelt) também impressionam com a facilidade com a qual transmitem as reações de seus personagens. Por falar em Roosevelt, outra personalidade famosa presente na série que me agradou bastante foi Thomas Edison, em uma curtíssima e aprazível cena (que me deixou com lágrimas nos olhos) em que John Moore leva Mary (uma acolhida de Kreizler), para presenciar o novo filme de Edison com seu cinematógrafo, fazendo uma clara homenagem ao início do cinema e à potência de seu espetáculo na época, algo muito ausente nos dias atuais.

Finalmente, o que torna The Alienist tão boa: sua linguagem audiovisual. Além do perfeito design de produção que dispensa comentários, a belíssima combinação entre seus aspectos permite uma imediata imersão no universo da série. A fotografia, que com uma estética de câmera fluida e cenários escuros de baixa iluminação, ressalta os becos corruptos e tenebrosos das noites nova-iorquinas; a montagem variada, que propõe cortes rápidos em cenas aceleradas de perseguição, e opta por cortes mais precisos em planos mais demorados, valorizando o suspense da trama e a tensão; e a impactante e atmosférica trilha sonora, que com as composições originais de Rupert Gregson-Williams, deixam o espectador ansioso e sem fôlego nos momentos exatos.

Uma série com algumas falhas na estrutura de sua história, mas que particularmente fiquei apaixonado desde o primeiro episódio. Com um elenco de peso e uma equipe pra lá de competente, The Alienist alcança o que já era previsto: cair no gosto do público. Eu, sendo fanático por thrillers psicológicos bem construídos, claramente anseio por uma segunda temporada que satisfaça minhas expectativas. Mas isso não basta. Sei que há muitos fãs de suspense por aí, e espero sinceramente que a série consiga encontrar seu público e surpreender a quem merece ser surpreendido.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.