Crítica: Tully
Diablo Cody e a inteligência emocional
Tully, nova parceria entre o diretor Jason Reitman (Amor Sem Escalas, Refém da Paixão) e a roteirista Diablo Cody (Garota Infernal, Ricki and the Flash: De Volta pra Casa) é a terceira parte de uma trilogia que fala sobre amadurecimento. Essa ‘trilogia do amadurecimento’ iniciou em 2007 com Juno, seguiu com Jovens Adultos (2011) e, agora, encerra com Tully.
Cada um destes filmes relatam fases de suas personagens e como estas lidam com o inexorável tempo e suas mudanças e contingências. Juno é sobre crescer mais rápido que o esperado; Jovens Adultos é sobre a demora para amadurecermos; e Tully é sobre a consciência de que temos que crescer de uma maneira ou outra.
Tully narra a vida de Marlo (Charlize Theron), mãe de três filhos, sendo um recém-nascido, e que tem uma vida muito atarefada. Seu irmão Craig (Mark Duplass) sugere que Marlo contrate uma ‘babá noturna’ para cuidar de seu bebê durante a noite enquanto dorme. Mesmo hesitante, cede e se espanta com a babá Tully (Mackenzie Davis).
Se em Jovens Adultos a parceria entre Reitman e Cody mostrou-se aquém da média, Tully recupera as qualidades encontradas em Juno, sendo que nestes dois últimos testemunhamos o melhor da inteligência emocional da roteirista.
Explicando o básico (pois é muito complexo) sobre o que é inteligência emocional: É a capacidade das pessoas de reconhecerem suas próprias emoções e também as dos outros, discernir tipos de sentimentos diferentes e rotulá-los apropriadamente, usar de informação emocional para guiar pensamento e comportamento, e gerenciar e ajustar emoções a se adaptar a diferentes ambientes ou conquistar seus objetivos. O termo popularizado pelo jornalista científico Daniel Goleman basicamente fala sobre a prática da empatia, a faculdade de compreender emocionalmente uma pessoa ou objeto. Deste tema, Diablo Cody mostra vasto entendimento.
Em Juno, filme que retrata a gravidez na adolescência, a personagem-título é uma garota inteligente e confiante que se depara com uma gravidez não planejada. A partir desta premissa, Diablo não se acomoda julgando superficialmente o comportamento e escolhas de sua protagonista, faz mais e melhor: a dispõe para análise considerando que esta se encontra em trânsito, em movimento. Assim, sua protagonista, ao passo que vai caminhando em frente (ao escolher continuar a gestação), vai maturando com as novas situações que se depara, ao longo que vai percebendo o que ficou para trás. Com isso, Diablo não apenas aumenta substancialmente o escopo de tratamento de sua personagem, mas também amplia o espaço para o gênero da comédia dramática que tanto aprecia aplicar em seus filmes. Em Tully, a mesma coisa.
A maternidade é o cenário. Aqui, sem qualquer glamourização e com crueza. Se em Juno a parte do que se é deixado para trás tem tonalidades mais iluminadas (mais humor que drama), em Tully isso é mais melancólico e, consequentemente, mais aberto a reflexões.
É possível traçar um paralelo entre Tully e o mais recente filme do diretor Roman Polanski, Baseado em Fatos Reais. Todavia, onde Polanski falhou comunalmente em seu filme, a dupla Cody/Reitman acertou em cheio. Juno pode ser mais palatável e gracioso como história, mas Tully mostra-se um trabalho de roteiro mais interessante e tecnicamente qualificado. Quando o espectador pode começar a especular ideias sobre o relacionamento de suas protagonistas femininas, a mãe e a babá, Diablo elabora uma cena para quebrar quaisquer possibilidades do que se cogitava e levar o espectador ao real foco do filme: os caminhos que aproximam e geram atração entre estas duas mulheres. Pode chamar isto de ‘boa manipulação’.
De nada adiantaria um roteiro tão rico se o elenco não estivesse no mesmo pico. Charlize Theron mais uma vez hipnotiza e brilha. A agora diva dos filmes de ação que arrasou em Mad Max: Estrada da Fúria e Atômica volta a mostrar em dramas, diferentes tipos de nuance do que em filmes de ação. Os olhares de Theron em Tully são capazes de assombrar em alguns momentos. A outra que divide o pico com Charlize é Mackenzie Davis. A jovem atriz de 31 anos emana carisma com sua personagem cheia de caprichos e excentricidades. Curioso (e melancolicamente irônico) é o estranhamento de Marlo com Tully. É pela babá, Tully, que Diablo nos revelará os pequenos e grandes lutos pelos quais passamos pela vida.
Se o elenco apresenta um grande trabalho… ponto para Jason Reitman. O diretor aqui faz seu melhor trabalho desde Amor Sem Escalas. Reitman não se foca em grandes movimentos de câmera, mas cumpre com excelência o primordial: saber quais são as capacidades de seu elenco e tirar o melhor proveito disso. Foi assim também com Ellen Page em Juno; e George Clooney e Anna Kendrick em Amor Sem Escalas.
Vale ressaltar também, outro bom momento de uso da inteligência emocional de Diablo Cody: o marido de Marlo, interpretado por Ron Livingston (muito competente). Ele é retratado por sua falta de habilidades; ou seja, um homem que acreditava estar fazendo um bom trabalho como marido e pai mas que não percebia que estava deixando a bola cair. Diablo não vilaniza, mas sim humaniza. Outro aspecto do filme que visa serviço público é a retratação sobre a saúde mental, e isso é feito sem didatismos ou exageros panfletários.
Existe uma frase que diz: “Para escrever bem, você deve escrever sobre o que você sabe”. Certamente, Diablo Cody segue este conselho. E melhor: ela tem consciência de que a vida é menos dolorosa se fizermos como na última cena de Tully… com a música que for.