Crítica: Venom – Tempo de Carnificina
Seguindo na cola dos cada vez mais populares filmes de anti-heróis, Venom se provou um início de franquia extremamente rentável apesar da enxurrada de críticas negativas, quebrando os recordes nas bilheterias do mês de outubro. No entanto, é difícil dizer se o filme de 2018 foi levado a sério ou não pelo público: com um Tom Hardy sem limites no papel principal, o resultado acabou favorecido pela lógica do “tão ruim que é bom”, deixando dúvidas sobre o que seria acidental ou proposital no projeto. Agora, três anos e centenas de milhões de dólares depois, o personagem volta em Venom: Tempo de Carnificina, que novamente quebrou recordes em sua estreia, sinal de que os espectadores estavam mais do que preparados para uma continuação do que havia sido visto no primeiro longa.
Desta vez mais inclinado para a comédia, o filme dirigido por Andy Serkis, que assume o lugar de Ruben Fleischer, aposta todas as suas fichas no relacionamento entre o simbionte Venom e seu hospedeiro Eddie Brock (ambos interpretados por Tom Hardy). Desde o início temos as mesmas brigas e embates que extraem de Hardy uma performance física, pisando fundo no pastelão, e agora vemos as consequências do elo formado entre o alienígena e o jornalista. O primeiro, cansado de comer apenas galinhas e chocolate, quer se alimentar de bandidos, enquanto o segundo apenas quer paz. Boa parte da história é focada nesta interação, tentando arrancar risadas através da fórmula do odd couple, o casal desajustado de personagens. No entanto, as piadas nem sempre funcionam. Na verdade, acabam soando forçadas na maior parte do tempo, desesperadas para replicar o que funcionou, em certos instantes, na primeira aventura.
Essa falta de espontaneidade no humor, reminiscente dos filmes de super-heróis de meados dos anos 2000 em suas intenções mas sem o mesmo efeito, custa o envolvimento com os personagens, que se tornam irritantes. Não há como negar os esforços de Hardy, novamente se dedicando ao papel duplo, mas falta sagacidade ao roteiro assinado pelo ator e Kelly Marcel, que retorna do longa anterior. O projeto passa boa parte do tempo hesitante entre aprofundar sua relação central e oferecer mais uma história de super-heróis, conseguindo resultados insatisfatórios em ambos os objetivos devido à superficialidade do material. Há pouquíssimo estofo às cenas, como no momento em que Venom encontra hospedeiros em uma festa à fantasia. As inconsequentes interações do simbionte com o público da festa se limitam a trocas de diálogos que nunca evoluem para outra situação mais interessante. O filme está satisfeito em proporcionar apenas um sorriso ligeiro.
A sensação que predomina é a de potencial desperdiçado, inclusive quando falamos dos vilões apresentados. Tomando bastante tempo antes de transformar Cletus Kasady (Woody Harrelson) no arqui-inimigo Carnificina, a sequência faz o público esperar até que o primeiro embate entre herói e vilão aconteça. Quando esse momento enfim chega, a briga logo termina, e o espectador deve se decepcionar ao constatar que é também o último confronto entre os dois. Além do momento em que foge da prisão, o antagonista pouco tem o que fazer com seu simbionte além de procurar sua amada (Naomie Harris), presa em Ravencroft, uma locação familiar aos fãs dos quadrinhos. O que mais frustra em Tempo de Carnificina, além disso, é a execução das cenas de ação e efeitos. Serkis, habituado à técnica da captura de movimento, quase nunca investe numa fisicalidade palpável ou grotesca, transformando os simbiontes em uma massa indistinta com braços e tentáculos. O trabalho de CGI, mais fraco que no primeiro longa, também não ajuda muito, e nem mesmo a estranhamente escura fotografia de Robert Richardson (colaborador frequente de Quentin Tarantino) passa credibilidade.
Sem muito sucesso no humor e realmente carente de qualquer empolgação, Venom: Tempo de Carnificina prova a dificuldade em repetir o raio na garrafa que seu precursor conseguiu capturar, mesmo que acidentalmente. Apesar de contar com Hardy e Woody Harrelson, um dos atores mais cativantes de sua geração, o filme explora muito pouco do potencial (cômico, inclusive) que os dois intérpretes poderiam concretizar no resultado final. O que deve redimir a existência da obra para os fãs é sua única cena pós-créditos, mas não há como ignorar a decepção com o filme que a precede, que ao menos é curto. O grande resultado nas bilheterias, contudo, garante que haverão outras chances de explorar o universo do personagem, quem sabe desta vez não se contentando em ser “tão ruim que é bom” e oferecendo uma aventura mais sólida e bem-integrada.