Rebobinando: Jack (1996)

Rebobinando: Jack (1996)

Uma das situações mais angustiantes que um cinéfilo pode presenciar é a de ver um filme que ama ser destruído pela crítica. Só que nem todos nós lembramos de um simples fator que influencia demais na opinião do público: qualquer obra de arte ou produto comercial é criado em cima de um público alvo, o qual tende a apreciar aquele conteúdo mais do que os outros para qual aquilo não foi feito. O filme da vez não é um clássico aclamado, premiado ou mesmo lembrado pelos cinéfilos, mas é uma das produções que mais conquistou meu coração com sua abordagem singular e suas cenas comicamente tocantes. O mais surpreendente, é que esse suposto “filme desnecessário” (como é visto por muitos) possui o gigante Francis Ford Coppola na direção e ninguém menos que Robin Williams como protagonista. Hoje o Rebobinando homenageia…

JACK (1996)


Drama e comédia podem ser combinados? Claramente sim, mesmo representando nossas mais genuínas e opostas emoções: a de chorar e a de rir. Poucos filmes conseguiram cumprir essa meta tão bem ao longo da história, mas Jack é, em minha opinião, uma das obras mais objetivas nesse quesito, alcançando um nível impressionante de aprofundamento emocional que, passeando pelos sentimentos humanos com sutileza, canta sobre nossas almas sua beleza e seu realismo, embora parta de uma premissa surreal.

A premissa se estabelece quando um garoto chamado Jack (Robin Williams) nasce com uma rara doença genética na qual seu metabolismo é 4 vezes mais acelerado que um ser humano normal, ou seja, seu corpo, a cada ano vivido, envelhece 4 anos. O filme mostra a vida cotidiana de Jack, ainda criança mas já com a aparência de um homem de mais de 40 anos, com todos os problemas decorrentes da sua doença. Esses problemas rendem risos em alguns momentos, mas ultrapassam o limite do engraçado e atingem o âmago de um enredo dramático sem dificuldades.

A relação de Jack com as pessoas que o rodeiam é muito interessante, pontual e direta, construída inteiramente no conflito do filme: sua doença. Jack sofre uma visível exclusão social logo nos primeiros dias de aula, no qual descobre que seu tamanho não é proporcional ao assento da cadeira. Seus colegas o vêem inicialmente como uma aberração, mas a narrativa trata de deixar claro ao expectador que tudo pode mudar, que todos podemos viver bem com nossas condições, que não há barreiras para a felicidade senão sua própria aceitação pessoal. As apreensões, a inocência e os prazeres da infância/adolescência são muito bem transmitidos através da atuação segura e eficaz de Robin Williams, mais uma vez constatando seu inegável talento em interpretar personagens sensíveis. O divertido elenco ainda conta com Jennifer Lopez como a professora e primeira paixão de Jack; o comediante Bill Cosby como o divertido tutor de Jack; e ainda a encantadora Diane Lane, como a preocupada mãe de Jack.

A direção de Coppola é natural, mas charmosa. Garante um figurino competente o suficiente para rejuvenecer Williams, além de uma boa escolha de planos, que inclusive desfrutam da mise-en-scène bastante aproveitada, indicando exclusão, timidez, e instabilidade. O roteiro do filme, escrito por James DeMonaco e Gary Nadeau, abusa da ingenuidade de Jack, que nos emociona a cada cena, trabalhando bem com os diálogos do filme e com a maneira como Jack interage com crianças e adultos, já que ele se encontra nesse meio termo visto sua maturidade de adolescente e sua aparência de adulto.

O filme, apesar de parecer comum e nada sofisticado, custou em torno de dolorosos 45 milhões de dólares para ser feito, e lucrou menos de um terço de seu investimento. O já falecido compositor Michael Kamen teceu uma trilha sonora acanhada, mas agradável em todos os momentos. O que não dá para esquecer é que a emoção do público acompanha as autodescobertas do protagonista junto com o mesmo, e é possível até se identificar com Jack em várias cenas – algo que prova meu ponto de vista de que, apesar do filme ter uma história super cativante, ele também trabalha com problemas sociais como o bullying, a exclusão e a falta de amor próprio de um jeito curioso, usando da comédia dramática para criar as devidas sensações de apreço pelo personagem.

Não irei mentir nesse texto; achem-me louco ou ousado, pois preciso dizer que Jack, sim, esse fracasso de crítica, é meu filme favorito deste diretor. Mesmo respeitando clássicos como O Poderoso Chefão e Apocalypse Now, é com Robin Williams que meu coração se derrete e adentra em uma história inesquecível digna de homenagens como esta. É preciso lembrar, falar e escrever sobre seus filmes prediletos, mesmo que eles sejam mal vistos por alguns, pois afinal é o seu favoritismo que interessa. Que esse texto motive você a não se envergonhar de seus gostos, que esse filme te impulsione a não se envergonhar do que é e aprender a apreciar a vida independente de qual seja sua duração, pois até onde sabemos só temos uma. A felicidade está sempre ali esperando por você, basta buscá-la nos lugares certos com as ferramentas corretas.

João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.