Opinião: A objetificação feminina no cinema e as mulheres sem cabeça de Hollywood
Pare por alguns minutos e tente rapidamente se lembrar de pelo menos três filmes ou séries em que mulheres conversam entre si sobre algum assunto que não seja homem. Isso pode parecer absurdo ou até mesmo pretensioso, mas uma boa parte das produções cinematográficas (e da mídia no geral) não faz bom uso de personagens femininas em seus roteiros. Para medir a participação e interação das mulheres nessas obras de ficção, existe o Teste de Bechdel, que consiste em três regras básicas: 1. O filme precisa ter, no mínimo, duas personagens femininas (com nome); 2. As mulheres conversam uma com a outra; 3. E elas conversam sobre algum assunto que não seja homens.
Analisando o teste, parece um pouco surreal que filmes e séries não cumpram esses tópicos, mas o resultado é triste: em uma pesquisa feita pela Universidade da Califórnia do Sul, em parceria com o Instituto Mídia e Gênero e a ONU Mulheres, apenas 30% dos personagens com falas nos filmes são mulheres, sendo que nem todas as produções analisadas (em torno de 500 filmes) passam no teste de Bechdel. É importante dizer que esse teste não é de qualidade. Caso o seu filme preferido não passe pelas três “regras”, isso não significa de forma alguma que ele é ruim. Mas pode ser desagradável para o público feminino saber que, O Hobbit, por exemplo, está na lista dos reprovados. Isso significa que nas poucas conversas de Tauriel com outras elfas o assunto é homem, mesmo que a Terra Média esteja um caos.
Se tudo isso não foi capaz de te convencer que o machismo ainda existe (ou se você é aquela pessoa que acredita que toda a problematização não deve ser levada a sério), o Instituto Geena de Gênero e Mídia concluiu que as mulheres aparecem três vezes menos que os homens e, quando aparecem, têm pelo menos quatro vezes mais chances de serem distorcidas de uma forma sexy ou simplesmente usadas como motivação para o público masculino.
Quando eu escrevi sobre as Manic Pixie Dream Girls, eu busquei não generalizar ou usar as palavras de um jeito ofensivo. A intenção nunca é diminuir quem quer que seja e eu espero que esse texto soe da mesma maneira. O problema não é falar sobre homem. Nós, na vida fora da ficção, falamos bastante sobre isso, pode apostar. E sabemos que homens também falam com frequência sobre mulheres. O problema é limitar as mulheres a seres que SÓ falam sobre isso, como se não fôssemos capazes de conversar sobre qualquer outro assunto, como cinema, música, livros, esportes e até teoria quântica. É como se não pudéssemos ser nada além de um rosto bonito e um corpo sarado – e aí já entramos no problema dos padrões de beleza impostos pela sociedade e como eles são retratados no cinema, nos quadrinhos, nos jogos de videogame, mas deixa para outra hora.
Não precisamos ir muito atrás para perceber o quanto a mulher é sexualizada e objetificada no cinema. O filme Esquadrão Suicida gerou polêmica ao mostrar o uniforme da personagem Arlequina. O problema não está no tamanho das roupas da vilã (já deixo claro aqui que as mulheres podem – e devem – usar roupas no tamanho que quiserem), mas sim como os enquadramentos mostram a personagem, dando diversos closes em partes específicas do corpo da atriz que não acrescentam nada na história e só funcionam como entretenimento para o público masculino. Segundo a própria Margot, a Arlequina não usa hot pants para que os homens olhem para a sua bunda: ela usa hot pants porque a peça é divertida e ela se sente bem assim, então, a personagem merecia ser tratada da forma correta (assim como todas as mulheres, que merecem ser livres para mostrar o que quiserem do corpo sem medo e sem tabu).
A Harley Quinn é a vilã mais famosa da DC Comics e possui uma história complexa e um relacionamento abusivo com o Coringa, coisa que já é muito difícil de ser adaptada para o cinema. Pelo histórico da Arlequina, sabemos que há muito mais na personagem para ser retratado do que um close na bunda. Um bom exemplo para esse assunto é a série Westworld, que mostra uma nudez não gratuita e de forma não sexualizada. Na série da HBO, a nudez feminina (e masculina também) não é vista como um tabu ou algo excepcional, mas sim como algo natural – e é assim que deve ser.
É quase uma piada ver como, em 2017, o cinema ainda insiste em restringir as mulheres a: peito, bunda e conversas sobre homens. Muitas vezes as personagens femininas nem tem nome, elas só estão atuando como um enfeite. E todo esse assunto sobre como a vida das mulheres parece girar em torno dos homens na mídia e a sexualização me fez lembrar outra coisa: as mulheres sem cabeça de Hollywood. Simplificando a explicação: exatamente por qual motivo várias capas de filmes fragmentam e objetificam as mulheres colocando o corpo (sem a cabeça) em capa e banners? A cabeça é a parte pensante do corpo humano e ela é simplesmente cortada, como se não importasse ou dissesse: é só um corpo e nada mais, não há inteligência, é um objeto de desejo. Por isso, ao assistir a um filme ou uma série (independente se é uma boa produção ou não), pense: as vidas das personagens femininas giram em torno dos personagens masculinos? Elas estão exercendo um papel que não seja o de personagem sensual sem nome e essência? É imprescindível ver como isso acontece e é mais imprescindível saber que isso AINDA acontece.
A seguir, selecionamos alguns filmes e séries que passam no Teste de Bechdel para você assistir e comprovar a diferença:
Histórias Cruzadas
Pequena Miss Sunshine
Cisne Negro
Garota, Interrompida
Mad Max: Estrada da Fúria
Orgulho e Preconceito
Que Horas Ela Volta?
How To Get Away With Murder
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