42ª Mostra – Crítica: Cafarnaum

42ª Mostra – Crítica: Cafarnaum

Sem solução

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Ao longo de sua carreira como deputado, Jair Bolsonaro adotou um discurso rígido sobre controle de natalidade entre os mais pobres, sugerindo até mesmo a esterilização desta população menos favorecida. Na improvável chance de que o político assista Cafarnaum, certamente sairá da sessão com essa crença reafirmada.

Este é o perigo que reside no longa da libanesa Nadine Labaki, uma realizadora famosa por sua posição progressista, oposta portanto ao de figuras como Bolsonaro, mas que desta vez colocou o complexo contexto social de seu país em segundo plano para culpabilizar apenas indivíduos pela miséria que recai sobre seus personagens.

Vencedor do prêmio do Júri no Festival de Cannes 2018, Cafarnaum começa com uma situação inusitada. Zain (Zain Al Rafeea), um menino de 12 anos da periferia de Beirute, está no tribunal. Sua intenção é processar os pais por terem o colocado no mundo, já que não tiveram condições de criá-lo de forma decente – prova disso é o fato de já estar numa prisão para menores de idade, após ter apunhalado com uma faca um homem adulto.

O roteiro, escrito por Labaki em parceria com Jihad Hojeily, Michelle Keserwany e Khaled Mouzanar, volta no tempo para contar como tudo chegou àquele ponto. Vemos Zain, esperto, corajoso e um tanto marrento, ser a pessoa mais sensata de uma casa que, além de seus pais, conta com um punhado de irmãos (a quantidade propositadamente nunca fica clara). De todos ali, tem uma ligação maior com a irmã Sahar (Haita Izzam), que acaba de menstruar pela primeira vez. O menino sabe que isto significa que ela deixa de ser criança aos olhos da comunidade local e será rapidamente negociada para casar, o que quer impedir.

É só o começo de uma espiral de acontecimentos terríveis, que incluem ainda o encontro com uma ex-prostituta imigrante ilegal e seu bebê, com quem Zain passa a rodar as ruas da cidade mais adiante. É impossível não se ver tocado pelo encadeamento de situações dramáticas que se segue.

No meio disso tudo, o filme consegue encontrar momentos de beleza sutil: o encontro do pequeno protagonista com um senhor vestido de Homem-Aranha, sua chegada a um parque de diversões luminoso, o modo como ele monta um espelho fora da janela no barraco onde está instalado para assistir a desenhos na TV. São cenas que resgatam a personalidade infantil de Zain num ambiente em que ele não pode se permitir ser tratado desta forma.

Labaki demonstra um olhar cinematograficamente apurado para isso, transitando pelas vielas hostis de modo a retratar aquela realidade de forma fiel, com uma câmera naturalista e estética próxima a um documentário. Falta, porém, um espaço para que se pense além daquela dura existência. A discussão toma o caminho mais fácil, superficial e distante de qualquer sugestão de solução humanamente possível.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil