42ª Mostra – Crítica: O Anúncio

42ª Mostra – Crítica: O Anúncio

A inusitada burocracia de um golpe

o anuncio critica

A Turquia é um dos muitos países que tem no passado a mancha de uma Ditadura Militar, como um fantasma pairando ainda na atualidade. Seu presidente é Recep Erdogan, conhecido pela postura autoritária e ultra-conservadora, autêntico herdeiro da classe e visto com desconfiança por boa parte do mundo ocidental. Por isso, é emblemático o lançamento de um filme como este O Anúncio, dirigido por Mahmut Fazil Coskun e vencedor do prêmio especial do júri da seção Horizontes no Festival de Veneza 2018.

A ação se passa numa noite de 1963, quando dois homens misteriosos pegam um táxi. O motorista tenta puxar uma conversa sobre amenidades, mas o clima na área está tenso. Não só os passageiros não querem papo, como o carro é parado por uma blitz policial, quando os sujeitos dizem ser músicos para poderem ser liberados. No final da corrida, sem cerimônia, um deles saca uma arma e fuzila o próprio motorista.

O clima do longa de Coskun é seco. Quase todas as cenas são longas e feitas com um só plano, mesmo que isso às vezes represente que parte da ação aconteça fora da câmera. O registro duro e frio parece refletir o espírito de seus protagonistas, que revelam ser militares com a missão de anunciar na rádio estatal de Istambul que estão dando um golpe no país.

Acontece que O Anúncio é uma sátira política, uma comédia de erros. Sendo assim, o grupo enfrenta uma série de problemas burocráticos na tentativa de cumprir o objetivo. Na mais inusitada delas, os militares precisam procurar o técnico de som da rádio, de quem ninguém sabe o paradeiro, para que este os coloque no ar.

Há um desconforto proposital e permanente no filme, o mesmo daquela clássica fábula sobre a criança que tem coragem de apontar que o rei está nu. De repente, aqueles homens que se julgam todo poderosos ficam reféns dos pequenos aborrecimentos cotidianos e no fundo não são melhores do que ninguém. Falta graça às piadas que contam uns aos outros e o jogo de cintura para saber lidar com o inesperado. Tornam-se figuras apenas patéticas.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil