43ª Mostra – Crítica: O Farol

43ª Mostra – Crítica: O Farol

A luz que ilumina é a mesma que cega

O Farol

Dois atores numa mesma locação durante noventa minutos, em tons de preto e branco. O formato de O Farol pode até parecer minimalista, mas sua intenção é ambiciosa. O longa com o qual o diretor Robert Eggers volta aos cinemas, depois da aclamada estreia com o terror A Bruxa, trata de alguns dos maiores temas da experiência humana: a fronteira entre loucura e insanidade, solidão, arrependimento, sexo e morte.

São tópicos clássicos na narrativa de grandes obras, e Eggers não esconde suas influências, que vão da fotografia sombria do expressionismo alemão, em que o jogo entre luz e sombra traduz tanto a atmosfera geral quanto a alma de seus personagens, e o existencialismo de diretores-autores como o sueco Ingmar Bergman.

Na trama de O Farol, uma dupla de homens (interpretados por Willem Dafoe e Robert Pattinson) tem a incubência de cuidar de um farol numa ilha isolada na costa norte-americana. Como era de se esperar, são dois sujeitos de personalidades antagônicas: um é falastrão e grosseiro, outro é quieto e misterioso. A cordialidade entre ambos é escassa, a ponto de demorarem até mesmo para revelarem seus nomes um ao outro.

O ambiente afastado já seria clima suficiente para uma boa história, mas o filme adiciona alguns mitos e superstições no jogo. “Matar uma ave marinha dá azar”, alerta o personagem de Dafoe ao colega interpretado por Pattison, que por sua vez passa a ser atormentado por visões e pesadelos. O roteiro, escrito por Eggers em parceria com seu irmão Max, faz questão de não deixar claro para o espectador quanto tempo se passa desde que os dois chegaram ao local e nem estabelece a fronteira entre o que é real ou não, potencializando a sensação de angústia.

O embate de duas ótimas atuações rende cenas capazes de desafiar o espectador que quiser tomar um lado. Qual deles é o mais cruel ou o mais perturbado? E mais, qual é a essência daquela convivência? Numa das sequências mais emblemáticas, os protagonistas dançam de rosto colado, até ficarem próximos de um beijo. A consequência, inevitável para esses machões arquetípicos, é o estouro de uma briga violenta, manifestação física do relacionamento.

Acima de tudo isso em O Farol há ainda o simbolismo do mar e da luz, duas forças que trazem em si as dualidades de serem geradores de vida e de morte, dependendo da intensidade. Quem ousar controlá-las sem humildade pode se perder pelo caminho.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil