43ª Mostra – Crítica: A Odisseia dos Tontos

43ª Mostra – Crítica: A Odisseia dos Tontos

A hora do troco

A Odisseia dos Tontos

Ricardo Darín está mais Ricardo Darín do que nunca em A Odisseia dos Tontos, filme que marca mais um reencontro com o diretor Sebastián Borensztein, com quem trabalhou no sucesso Um Conto Chinês. O astro, que se tornou para muitos o sinônimo de cinema argentino, volta a interpretar um sujeito da classe média-baixa às voltas com circustâncias que lhe colocam numa situação inusitada. Como o Bombita de Relatos Selvagens, cabe a Darín servir de avatar para que o cidadão comum de alguma forma se sinta vingado por aquilo que sofre nas mãos dos mais poderosos.

Adaptada de um livro escrito por Eduardo Sacheri, também responsável pelo roteiro ao lado de Borensztein, a trama do filme se passa num pequeno povoado do interior da Argentina, onde alguns de seus habitantes compartilham o sonho de comprar uma fábrica abandonada e abrir uma cooperativa, como forma de fazer a economia local girar. A intenção é nobre, mas basta o letreiro revelar a data na qual a história começa para o público entender o que está por vir. Estamos em agosto de 2001, poucos meses antes do país afundar na pior crise econômica de sua história, com o anúncio do Corralito.

Na vida real, a medida congelou as poupanças de milhares de argentinos e estabeleceu um limite semanal para saques. Usando um tom de fábula, A Odisseia dos Tontos personifica os efeitos da decisão, mostrando como planos foram interrompidos e sonhos dilacerados. A cadeia de acontecimentos tem desdobramentos trágicos, incluindo a morte de uma das principais figuras do longa até ali. Porém, como em toda a crise, há sempre quem lucra com ela, e é aí que ocorre uma virada de tom.

A comédia de costumes dá lugar então a uma espécie de paródia dos thrillers sobre assaltos arriscados e grandiosos. O grupo de “tontos” vislumbra uma possibilidade de recuperar o dinheiro perdido e começa a planejar, como se fossem a turma da franquia Onze Homens e um Segredo, mas sem o glamour do time comandado por George Clooney e Brad Pitt. Afinal, não é preciso ser bonito para querer dar o troco em quem nos passa a perna.

O que a Odisseia dos Tontos tem de ingênuo, ele tem de universal. Relações familiares e de amizade dividem espaço com a desengonçada estratégia dos personagens, abrindo a possibilidade de identificação fácil com o público, especialmente o latino-americano. Não à toa, foi sucesso de bilheteria na Argentina e é escolhido dos hermanos a tentar uma vaga no próximo Oscar.

No entanto, sua vontade de ser popular serve como álibi para o filme lançar mão de alguns clichês, principalmente na trilha sonora, que ora insiste em começar cenas com repertório do pop/rock portenho, ora esbarra no instrumental piegas, mas sempre insistindo demasiadamente em guiar a percepção do espectador. Nada que comprometa, é verdade, o valor de sua mensagem final: a esperança de poder lutar como se pode contra as injustiças do sistema.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil