43ª Mostra – Crítica: Um Dia Muito Claro

43ª Mostra – Crítica: Um Dia Muito Claro

Luto na névoa

Um Dia Muito Claro

Numa cidade remota da Islândia, um avô e sua neta passam os dias juntos, numa casa em constante reforma. Quem se deparar com apenas essa descrição para a trama de Um Dia Muito Claro pode até pensar que se trata de um filme fofo. Porém, há muita dor no longa escrito e dirigido por Hlynur Pálmason, apenas o segundo de sua carreira.

Premiado como melhor ator na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2019, Ingvar Sigurðsson vive Ingimundur, policial que vive o luto após a perda da esposa num acidente de carro. Uma longa sequência de imagens estáticas da residência do protagonista denuncia a passagem do tempo após a tragédia, período ainda insuficiente para que todas as feridas se fechassem.

Afastado do trabalho até segunda ordem e resistente ao apoio psicológico que recebe, Ingimundur encontra alguma felicidade ao cuidar da pequena Salka (Ída Mekkín Hlynsdóttir), sua neta-xodó. Juntos, eles fazem pequenos reparos na casa que o homem está construindo para a filha e preenchem de significado uma rotina que poderia ser vazia.

Como é mostrado no letreiro que abre o longa, diz a lenda islandesa que nos dias onde a claridade da névoa por lá é tanta a ponto de embaçar a fronteira entre céu, mar e terra, os mortos podem se comunicar com os vivos. O protagonista deve acreditar nisso, pois parece estar à espera de uma mensagem da mulher falecida, dizendo-o para seguir em frente. No entanto, quando Ingimundur encontra algo próximo disso, não é exatamente o que queria ouvir. Ao receber uma antiga filmadora que pertencia à esposa, ele descobre imagens de encontros dela com um amante.

O dispositivo é semelhante ao usado por Aly Muritiba no nacional Para Minha Amada Morta, de 2015. Porém, se a obra do cineasta brasileiro apostava em construir uma atmosfera de suspense, Um Dia Muito Claro nunca deixa de lado seu caráter intimista e cresce em tensão apenas quando seu personagem central passa a agir de forma violenta, deixando para trás a faceta de avô carinhoso e protetor. O terceiro ato do filme é de apreensão absoluta, que abre espaço para uma cena final ao mesmo tempo catártica e delicada.

Difícil de ser encaixado num gênero específico, o longa de Pálmason é daqueles casos que provam que o grande cinema independe de orçamentos fartos ou de personagens demasiadamente perfeitos. A complexidade humana está na riqueza de sentimentos conflitantes presentes na alma de tantos Ingimundurs espalhados pelo mundo.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil