Crítica: Capitã Marvel

Crítica: Capitã Marvel

Heroína de um universo em conflito

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A essa altura do campeonato, mais de uma década depois do início do Universo Cinematográfico Marvel, introduzir um personagem novo pode ser algo traiçoeiro, pelo menos em termos de narrativa. Afinal, filmes com histórias sobre as origens dos heróis se acumularam a tal ponto que sua estrutura se tornou bastante previsível: mostra-se a juventude daquele personagem, o evento traumático que lhe dotou de superpoderes, seguida de um longo ato onde aprende a usar seus novos talentos e a entender sua missão, até o clímax onde este herói (ou heroína) triunfa de forma apoteótica.

Capitã Marvel tem sim todos estes elementos, mas ao menos tenta embaralhar um pouco a sequência em que cada coisa acontece. Além disso, o estúdio enfim cumpre a proposta de fazer um filme protagonizado por uma mulher e ainda consegue encontrar brechas para incluir um subtexto político, ao falar de migração, refugiados e a luta por territórios longe das zonas de confronto. Depois do sucesso absoluto de Pantera Negra, a Marvel oferece outro longa escapista que não esconde uma vontade de também refletir questões sociais pertinentes ao mundo atual.

Quando o filme começa, a personagem interpretada por Brie Larson está no meio de uma guerra entre duas raças alienígenas, os skrull e os kree – estes últimos são os seres que a adotaram depois de um acidente responsável por apagar boa parte das memórias da garota. Ela se lembra apenas de fragmentos de uma outra fase da vida, quando cresceu na Terra, e tem como mentor Yon-Rogg (Jude Law), alguém diz querer fazer com que ela” seja a melhor versão dela mesma” – frase que fãs de Lady Bird vão reconhecer e responder mentalmente.

Uma missão de resgate em território skrull dá errado – na primeira das cenas de ação do longa (nenhuma delas é particularmente memorável, o que pode ser considerado o grande porém da produção), e a protagonista vem parar em nosso planeta. É aqui que ela se reconecta com sua verdadeira personalidade, Carol Danvers, e só assim caminha para se tornar uma heroína. Até isso acontecer de fato, flashbacks mostram suas experiências anteriores, como o tratamento misógino que recebia dos colegas de exército e até do próprio pai, no aceno mais explícito que o filme apresenta sobre a discussão de como homens e mulheres são tratados de forma diferente no mundo.

Larson ganha a companhia de um rejuvenescido Samuel L. Jackson (no papel de Nick Fury, que ganha mais tempo em tela do que em qualquer outro filme da franquia), da simpática gata Goose e de uma trilha sonora repleta de rock cantado por mulheres: Garbage, No Doubt, Elastica e Hole são algumas das bandas escolhidas, numa referência aos anos 90, cenário da trama. Como Danvers é uma piloto de caças, há em alguns momentos um clima de Top Gun pairando no ar, e até Star Wars é homenageado com uma perseguição aérea por canyons que bebe na fonte das corridas de pod presentes na saga criada por George Lucas.

Nada disso representa grandes novidades, mas o longa dirigido pela dupla Anna Boden e Ryan Fleck ganha força quando revela suas verdadeiras mensagens. O conflito entre skrull e krull é ressignificado e ecoa um pouco da discussão entre judeus e palestinos, por exemplo, tomando uma posição surpreendente para um filme destas proporções, ao demonstrar que a definição de “vilão” nem sempre é tão cristalina quando questões complexas estão em jogo.

Assim como precisa de resiliência para olhar além das aparências e entender o contexto que a cerca, a Capitã Marvel encontra no que tem de mais humano (a capacidade de cair e levantar mais forte) a chave para seu heroísmo. É uma lição que deve se mostrar útil aos Vingadores. E também para todos nós.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil