42ª Mostra – Crítica: Guerra Fria

42ª Mostra – Crítica: Guerra Fria

Amor em conflito

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Trabalhando com a mesma fotografia em preto e branco do consagrado Ida, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2014, o cineasta polonês Pawel Pawlikowski volta a mexer nas cicatrizes de seu país. Agora é a vez de Guerra Fria, que lhe valeu o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes 2018.

O longa começa com diversas cenas de músicos poloneses se apresentando. Estamos no final da década de 40, a Segunda Guerra ficou para trás e Estados Unidos e a União Soviética disputam a hegemonia ideológica mundial. Neste confronto, a disseminação da cultura local para além de suas fronteiras é um fator fundamental, e é neste meio que se vê o músico Wiktor (Tomasz Kot). Ele tem a missão de comandar um coral que irá rodar o território polonês entoando canções populares, que valorizam a vida no campo e seus cidadãos.

Neste ambiente Viktor conhece a jovem Zula (Joanna Kulig), cantora talentosa e de personalidade indomável, envolvida em diversos boatos, o mais grave deles é que teria matado o próprio pai. Os dois se apaixonam, dando início à história de amor que move a trama.

Dizer que os dois personagens dividem o protagonismo do filme não é verdade. Pawlikowski se fixa mais no olhar de Viktor, em seu desgosto com a crescente intervenção do Partido Nacional sobre seu trabalho e no desejo de ir embora de um local no qual não se sente mais em casa. Refugiado em Paris, onde os clubes de jazz se tornam seu habitat (a trilha sonora do filme, aliás, é irresistível), ele segue adiante, ainda que mantenha Zula em seu pensamento, até o reencontro.

Este desequilíbrio entre homem e mulher pesa também na dinâmica do relacionamento entre os dois. Viktor mente sobre as origens dela para seus amigos (“para lhe tornar mais interessante”, justifica), desvaloriza sua opinião muitas vezes e chega até mesmo a ser agressivo. É como se, ao destratar a amada, descontasse muito de suas frustrações com a própria terra natal. São amantes tragicamente condenados um ao outro, criados na brutalidade, e talvez Guerra Fria romantize esta união problemática além da conta.

Esteticamente, chama a atenção a escolha por enquadramentos que sempre colocam um teto alto acima dos personagens, num lembrete de que suas vidas estão sujeitas a forças maiores do que eles, seja o destino, seja o conturbado ambiente ao redor deles. A composição rende cenas belíssimas, especialmente a sequência final, dentro de uma capela, com o casal visivelmente esgotado por tudo que viveu até ali.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil

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