43ª Mostra – Crítica: O Fantasma de Peter Sellers

43ª Mostra – Crítica: O Fantasma de Peter Sellers

Trauma cinematográfico

O ator Peter Sellers, de interpretações icônicas como A Pantera Cor de Rosa e Dr. Fantástico, era conhecido tanto pelo seu talento quanto pela personalidade difícil. Nesse documentário, o cineasta Peter Medek volta mais de quatro décadas em suas lembranças para contar como o astro azucrinou as filmagens de O Fantasma do Sol do Meio-Dia, produção para lá de problemática que ficou muito tempo engavetada mesmo após sua filmagem, em 1973, tamanha a catástrofe que se tornou.

Medek conta a história do fracasso que nunca esqueceu, num longa que entra para o rol de obras metalinguísticas feitas para exorcizar o demônio de um fiasco – como Lost in La Mancha, que mostra o calvário de Terry Gilliam para tentar viabilizar sua versão de Dom Quixote. O gênero serve como uma espécie terapia pública, catártica e redentora à medida que ressignifica um trauma anterior.

Em O Fantasma de Peter Sellers, o diretor revisita as locações no Chipre que serviram de cenário para o malfadado filme e entrevista parte da equipe, companheiras na roubada. Além disso, usa entrevistas e imagens de arquivo que constroem a figura de um Sellers genial e genioso, dado a atrasos e brigas no set.

As histórias que antes quase enlouqueceram o diretor e colocaram em risco sua própria carreira agora viram anedotas, muitas delas engracadíssimas. Como a vez em que Sellers aproveitou uma folga para ganhar uma grana boa e um carro novo filmando um comercial de cigarro, mas se recusava a tocar no maço, já que era presidente de uma liga anti-fumo. Ou a recusa do ator em dividir qualquer frame com seu co-protagonista Tony Franciosa, após uma discussão.

Se a sensação no começo do filme é de um certo ressentimento, aos poucos esse tom vai se dissipando. Perto da conclusão, fica clara que a admiração de Medek por Sellers não diminuiu, mesmo com todos os contratempos. A má experiência de mais de 45 anos pode não ter resultado num filme bom naquele momento. Mas foi a semente de um interessante exercício sobre como o tempo tem uma maneira infalível de colocar tudo em perspectiva.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil