43ª Mostra – Crítica: O Jovem Ahmed

43ª Mostra – Crítica: O Jovem Ahmed

Radical em formação

O Jovem Ahmed

O cinema dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne é calcado no estudo de personagens, cidadãos fictícios que servem de instrumento para os cineastas abordarem questões políticas e sociais em debate na esfera pública e sem soluções fáceis. O Jovem Ahmed, que rendeu aos belgas nada menos que o oitavo prêmio no Festival de Cannes (dessa vez na categoria melhor direção), trata de uma Europa lidando com a migração de famílias muçulmanas e do perigo do fanatismo religioso.

A trama gira em torno do protagonista que dá nome ao longa, um garoto de 13 anos (vivido por Idir Ben Addi) cada vez mais radicalizado em sua interpretação do Alcorão. Ele idolatra um primo, que se sacrificou num ato terrorista, e, movido pelo imã local passa a perseguir a professora, que usa letras de músicas atuais para ensinar a língua árabe aos seus alunos, em vez de fazer isso através do o livro sagrado do Islã, como manda a tradição.

Os Dardenne colam a câmera em Ahmed, que por seus atos violentos vai parar num reformatório juvenil. As imagens estão sempre em movimento, como o protagonista, simbolizando seu estado de ebulição. Tal linguagem é a marca registrada da dupla e foi amplamente imitada nos últimos vinte anos desde Rosetta, que venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1999 e colocou os irmãos no mapa do cinema autoral.

Ao colocar o espectador tão próximo ao personagem central, O Jovem Ahmed dá pouco espaço a contrapontos, deixando isso sob responsabilidade de quem assiste. Há quem vá enxergar naquele adolescente um lunático excêntrico, como parte do público do cinema em que assisti ao filme, que ria nas cenas em que Ahmed contracena com uma menina loira e leva sua crença ao extremo. Outros vão vê-lo como uma ameça em potencial, pelo menos até a última cena.

O filme não vitimiza o garoto nem busca justificar suas atitudes. Além disso, foge de qualquer traço de sensacionalismo. Os instantes que prenunciam momentos de terror dão lugar a cenas que ficam mais no campo da sugestão, poupando o roteiro de promover banhos de sangue, o que não o torna menos contundente. É uma obra que quer promover um debate sem histeria, sem fazer de conta que tem qualquer resposta pronta na manga.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil