43ª Mostra – Crítica: Segredos Oficiais

43ª Mostra – Crítica: Segredos Oficiais

O certo é certo

Segredos Oficiais

Num momento em que filmes de super-heróis e super-heroínas dominam a produção cinematográfica em Hollywood, o longa britânico Segredos Oficiais valoriza outro tipo de ato heróico, que não acontece em conflitos interplanetários ou depende de poderes especiais. Às vezes, basta a coragem de denunciar uma trama de corrupção governamental que coloca milhares de vidas em risco.

Nesse filme inspirado numa história real, Keira Knightley vive Katharine Gun, funcionária do governo inglês que acompanhava da baia do escritório as negociações entre o Reino Unidos e os Estados Unidos para dar início à Guerra do Iraque, em 2003, sustentada pela tese de que Saddam Hussein possuia armas de destruição em massa e pelo clima de medo pós-11 de setembro.

A ideia de enviar tropas para o território iraquiano era extremamente impopular no mundo todo, e a ONU relutava em dar seu aval para a ação. Foi quando Gun teve acesso a um email instruindo autoridades norte-americanas a fazer pressão ilegal em seis países, para que esses votassem a favor da Guerra. Acostumada a lidar com informações confidenciais, ela sabia que aquilo era um desvio de conduta capaz de desequilibrar e influenciar o destino de muita gente. Assim, começou a pensar em formas de divulgar essa informação.

Segredos Oficiais mostra não apenas as hesitações da protagonista, uma mulher comum, sem ideologias partidárias mas com uma clara percepção do que é moralmente certo ou errado. O filme também acompanha a investigação jornalística que se segue à denúncia e, mesmo trazendo figuras um pouco caricatas na redação (como o chefe ríspido e o repórter bad boy), valoriza a apuração minuciosa e os profissionais da área, demonstrando que o bom profissional da informação zela muito pela reputação própria e do veículo onde trabalha antes de sair publicando o que lhe chega de informação – um lembrete importante nesses tempos em que governantes acusam de fake news as notícias que lhe desagradam.

O cineasta sul-africano Gavin Hood, vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 2006 por Infância Roubada, equilibra o tom de thriller à la Todos os Homens do Presidente e The Post – A Guerra Secreta com o caráter intimista do roteiro, escrito em parceria com Gregory Bernstein e Sara Bernstein, que também dá espaço para a relação de Gun com o marido, um imigrante iraquiano que sofre as consequências da atitude da esposa.

É fato que a Guerra do Iraque acabou acontecendo mesmo assim e que alguns vão encarar o périplo de Katharine Gun como um esforço ingênuo e em vão, e o longa não quer reescrever essa história. Mas é um declarado elogio a valores que superam contratos de confidencialidade, estabilidade profissional ou o conforto de fazer vista grossas a uma armação ilícita que ocorre debaixo do seu nariz.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil