Crítica: The Post – A Guerra Secreta

Crítica: The Post – A Guerra Secreta

A relevância social (e política) acima do cinema

Estamos na temporada de premiações!

Assim nos encontramos naqueles dois primeiros meses do ano abarrotados de grandes estreias, como The Post – A Guerra Secreta. Essas temporadas, que culminam com o Oscar (a última grande premiação de cinema), geralmente revelam filmes que chegam a se tornar clássicos atemporais, dentre filmes excepcionais, filmes relevantes à época, e alguns que nos pegamos matutando por que diabos estão lá… The Post – A Guerra Secreta é um destes quatro tipos: os relevantes.

Estes, principalmente em tempos atuais e mesmo que com boas intenções, por vezes acabam sendo filmes fracos ou ruins. É necessário mão sutil para prevenir filmes de caírem no muito panfletário, acadêmico ou na chantagem emocional.

Parte da crítica vira a cara para estes filmes de relevância, com o argumento de ‘não é pelo cinema, é por causa da mensagem’. Bobagem. Peguemos o ano de 1976 com Todos os Homens do Presidente, Esta Terra é Minha Terra, Rede de Intrigas, Taxi Driver e Rocky: Um Lutador. O último é quem leva a estatueta mais importante do Oscar para casa, mesmo com a maioria da crítica a época elevando os trabalhos de Alan J. Pakula, Sidney Lumet e Martin Scorsese, principalmente. Daí percebe-se que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas usou de voto estratégico: a vitória de Rocky: Um Lutador no Oscar de 1977 é uma resposta edificante de que a América iria se reerguer da derrota humilhante na Guerra do Vietnã, e este era o filme perfeito a ocasião: um ‘zé-ninguém’ que receberia a chance do século, e que toda vez que fosse à lona, levantaria e enfrentaria seu adversário; mesmo derrotado, sairia vencedor. Fácil de entender? Não muito sutil, mas necessário.

Entrando em The Post – A Guerra Secreta, o filme narra a história de Kat Graham (Meryl Streep), dona do The Washington Post, jornal local que está lançando ações na Bolsa de Valores para capitalizar a empresa, enquanto Ben Bradlee (Tom Hanks), seu editor-chefe, continua na caça por grandes matérias. Quando o jornal The New York Times apresenta uma série de matérias denunciando e expondo o comportamento e atitudes do governo americano, de diferentes gabinetes, acerca a Guerra no Vietnã com base em documentos sigilosos do Pentágono, o presidente Richard Nixon processa o The New York Times por espionagem, fazendo que nada mais seja divulgado a respeito do assunto. Ben Bradlee toma as dores por seus companheiros de profissão e decide encontrar a fonte que possui estes documentos do Pentágono. Uma vez que consegue páginas e mais páginas destes documentos sigilosos em mãos, agora ele precisa convencer Kat sobre a importância da publicação destes documentos em prol da liberdade de imprensa.

O mais recente filme do multipremiado Steven Spielberg vem acompanhado de duas controvérsias: uma menos óbvia ao grande público relacionada ao conteúdo do filme, e outra por questões políticas atuais. Vamos para a primeira:

Pelo aspecto da precisão histórica, o filme de Spielberg é questionado por figuras associadas ao The New York Times na época por diminuir o papel de seus jornalistas e exagerar o envolvimento e relevância do The Washington Post no vazamento dos documentos sigilosos do Pentágono – além do protagonismo dos tribunais nesta batalha entre imprensa e governo americano. James Goodale, membro do conselho-geral do The New York Times, diz que o filme “cria uma falsa impressão de que o The Washington Post foi o principal veículo na publicação destes documentos. É como se Hollywood tivesse feito um filme sobre o triunfo do The New York Times no caso Watergate”.

Existe um paradoxo quando analisamos a busca pela verdade dos fatos no jornalismo de legado (legacy journalism) numa era de pós-verdade associada ao jornalismo cidadão (citizen journalism) em The Post –  A Guerra Secreta?! Sim e não. Essas escolhas narrativas, mesmo que contraditórias, possuem um propósito que no filme será fácil de identificar o porquê perto do desfecho (cena de repórteres focando os holofotes nos jornalistas do The New York Times enquanto Kat Graham desce as escadas cercada por mulheres; e cena onde Ben Bradlee enfileira diferentes jornais à mesa de Kat Graham). O fato do filme elevar tanto a participação e o trabalho do jornal The Washington Post foi porque, roteiristas e Spielberg, queriam ilustrar o jornal e Kat Graham como exemplos a serem seguidos. Aqui, sem firulas e de maneira desavergonhada, o diretor mirou para acertar. No presente recente, este filme não passará despercebido por jornalistas e mulheres. Provavelmente, atingirá ambos em cheio por vias intelectuais e emocionais.

Cinematograficamente falando, Steven Spielberg já foi mais brilhante, até mesmo recentemente. Parte da crítica gosta de dividir a filmografia do diretor em duas frentes: filmes mais comerciais (As Aventuras de Tintim, O Bom Gigante Amigo) e mais “sérios” (obs.: este redator ainda está esperando que alguém diga argumentos sólidos com conteúdo racional o que são filmes mais sérios!) como Cavalo de Guerra e Lincoln. Todavia, é inegável que, para o público geral, isso serve como facilitador – ainda mais para um cineasta de catálogo tão extenso quanto Spielberg.

Em The Post – A Guerra Secreta, o que surpreendentemente pouco ajuda é o roteiro, afinal, um dos roteiristas, Josh Singer, foi coautor em Spotlight – Segredos Revelados, certamente o melhor filme a figurar as premiações da indústria nos últimos dois anos – até sendo considerado (com grandes méritos) entre os cem melhores filmes deste século. De roteiro acadêmico (dramático mas docemente cômico), com previsibilidades do tipo que o espectador consegue antever três segundos antes o que irá acontecer na tela, e terreno seco tanto no tratamento das personagens quanto elaboração atmosférica.

Em resumo: filmes como Spotlight – Segredos Revelados e Todos os Homens do Presidente são, por definição, thrillers de suar frio e mastigar os dedos de nervoso – especialmente o segundo filme, em que o espectador participa ativamente do desenrolar do enredo pois é colocado junto dos protagonistas, se assustando ou se surpreendendo com o que é dito ou mostrado. Já filmes como The Post – A Guerra Secreta entregam tudo de maneira explicativa (obs.: alguns diálogos no roteiro são sofríveis neste aspecto), sobrando pouco para construção e elevação atmosférica, vide que os documentos sigilosos não demoram a cair nas mãos de Ben Bradlee.

No campo da fotografia, testemunhamos a 17ª dobradinha Spielberg/Kamiński… e não foi das melhores desta vez. O cinematógrafo polonês Janusz Kamiński disse em uma entrevista que, em The Post – A Guerra Secreta, gostaria que o filme parecesse gravado por outra pessoa que não ele. Missão cumprida. Uma das características mais notáveis em Kamiński é o uso de ‘backlighting’, que é iluminar o objeto na tela por de trás, como se a iluminação e o espectador estivessem um de frente ao outro e o objeto na tela estivesse ao meio, criando um efeito de brilho. Isso não deu as caras no filme, por exemplo.

Mais que isso, em um filme transcorrido em sua maioria em ambientes fechados (casas, escritório) com pouca iluminação vinda das janelas, parecem ter limitado algumas possibilidades, e nisso o cinematógrafo criou outras (câmera levemente tombada); mas estas não conseguiram criar maior atração na tela. Ambos Spielberg e Kamiński encontram-se distantes de seus melhores trabalhos nos últimos dez anos: Ponte dos Espiões, também com Tom Hanks. No filme de 2015, a fotografia mostrou suas maiores riquezas, principalmente nas sutilezas que apresenta o mundo de duas faces, os dois lados da Guerra Fria.

Falando em Tom Hanks, em The Post – A Guerra Secreta o ator mostra o mínimo de competência necessária, mesmo que de maneira bem caricatural; já Meryl Streep surpreende um pouco, levando em consideração seus últimos trabalhos, todos muito caricaturais, mas neste filme não temos seus famosos (e alguns definitivamente excepcionais) momentos de ‘over-acting’. Até vale ressaltar o que é a melhor cena do filme (e de Streep), quando vários personagens estão na linha de telefone em diferentes locais e pontos da casa de Kat Graham, esperando por sua resposta se irão publicar a matéria ou não. Neste momento, num ângulo plongée que vai fechando no rosto de Meryl Streep como que pressionando-a para uma resposta, em Primeiríssimo Plano (PPP) uma Kat Graham tensa responde: “Vamos publicar!”. Bela cena!

Não se enganem, pois The Post – A Guerra Secreta é uma mensagem política clara. E aqui vai aquela outra controvérsia citada antes, mas que talvez não lhe faça justiça à palavra ‘controvérsia’, pois há intenção. O destinatário: Presidente Donald Trump.

O filme de Spielberg tem como primordial missão dizer de maneira direta e sem rodeios a Trump que ele não conseguirá calar ou censurar o trabalho da imprensa jornalística, pois já tentaram isso antes com o ex-Presidente Richard Nixon, e falharam. E esta é a maneira de Steven Spielberg dizer a Trump que, se tentarem, falharão de novo.

Na atual corrente, não é possível definir quem levará a melhor nessa briga. Trump almeja “controlar” (mesma coisa que silenciar) a imprensa com seus repetidos comentários que colocam tudo engarrafado como ‘fake news’, mas se esse comportamento pueril, que é similar a última cena de Richard Nixon ao telefone no filme, tornar-se cada vez mais evidente (como vimos no livro do momento, Fogo e Fúria: Por Dentro da Casa Branca de Trump de Michael Wolff), isso nos leva a pensar: Donald Trump, que age como um paspalho, um idiota, foi eleito (!) presidente dos Estados Unidos da América… Se Trump venceu, o que dizer dos que perderam para ele?!

Os ‘perdedores de momento’ já apresentaram na cerimônia do Globo de Ouro seus planos A, B e C: todos eles começam com a letra ‘O’, e terminam com ‘prah’.


FICHA TÉCNICA

Título Original: The Post
Direção: Steven Spielberg
Produção: DreamWorks Pictures; Amblin Partners; Amblin Entertainment; 20th Century Fox; Participant Media; Pascal Pictures; Star Thrower Entertainment
Roteiro: Liz Hannah e Josh Singer
Gênero: Thrlller político
Duração: 116 minutos
Elenco: Meryl Streep (Katharine Graham); Tom Hanks (Ben Bradlee); Sarah Paulson (Antoinette “Tony” Pinchot Bradlee); Bob Odenkirk (Ben Bagdikian); Tracy Letts (Fritz Beebe); Bradley Whitford (Arthur Parsons); Bruce Greenwood (Robert McNamara); Matthew Rhys (Daniel Ellsberg)

Alexis Thunderduck

3 comentários sobre “Crítica: The Post – A Guerra Secreta

Comentários estão encerrado.