Crítica: Como é Cruel Viver Assim
Adaptado do teatro, filme tem boas ideias presas a uma estrutura que, como seus personagens, não sai do lugar
Adaptar um texto teatral para a tela grande nem sempre é uma tarefa fácil, embora seja algo feito com certa frequência. É preciso entender as características de cada linguagem e, ao mesmo tempo, tomar cuidado para manter a essência do original. A versão cinematográfica de Como é Cruel Viver Assim, dirigida por Julia Rezende (Ponte Aérea, Um Namorado Para Minha Mulher e Meu Passado Me Condena), fica no meio do caminho.
Partindo de uma peça escrita por Fernando Ceylão, também responsável pelo roteiro do longa, o filme abraça a verborragia de seu material nativo, fazendo com que todas as cenas sigam a mesma fórmula de diálogo, diálogo e mais diálogo. É um recurso que poucos artistas dominam a ponto de conseguir segurar uma obra inteira desta forma.
No roteiro de Ceylão não há tempo para respiros ou momentos em que seja possível apenas contemplar aqueles personagens. Eles estão sempre falando muito e agindo pouco, o que enquanto experiência cinematográfica pode ser penoso. Em entrevista coletiva com jornalistas na semana de lançamento da produção, a cineasta contou que até incluiu novas cenas em relação à montagem que subiu aos palcos. Mas estas acabam apenas seguindo a mesma estrutura das demais.
Como é Cruel Viver Assim começa logo de cara no meio de uma discussão. Regina (Débora Lamm) insiste para a amiga Clívia (Fabíula Nascimento) convencer o marido Vladimir (Marcelo Valle) a realizar um sequestro, como uma forma do trio sair das graves dificuldades financeiras que enfrenta. Desempregado e sem grandes perspectivas na vida, o sujeito acaba topando entrar na jogada, trazendo consigo o malandro desajeitado Primo (Silvio Guindane). O planejamento do crime é o mote central da trama a partir dali, causa das mais diversas discussões entre o grupo.
Trabalhando em seu primeiro longa fora do gênero comédia romântica, Julia Rezende faz algumas escolhas estéticas interessantes. Trabalha com a câmera quase sempre em movimento e busca ângulos não tão convencionais em algumas cenas, numa tentativa clara de dar dinamismo às ações. Porém, ao mesmo tempo está limitada pela opção de dar ênfase às conversas de seus personagens, e pouco aproveita a ambientação na baixada fluminense.
Por se tratar de uma história sobre moradores de uma periferia, há ali de alguma forma implícita uma discussão social, explicitada em momentos pontuais, como na cena em que Regina faz uma entrevista de emprego para babá na casa de uma mãe de família rica e é tratada com absoluto desprezo. No entanto, o próprio filme esbarra em certos preconceitos. Exemplo disso é a insistência de Fabíula Nascimento em pronunciar palavras como “nuggets” e “mortadela” de forma errada, como se isso por si só fosse o suficiente para gerar risos. Mais bem resolvido é o momento em que Débora Lamm e Marcelo Valle discutem se alguém pisa na bola “do outro” ou “com o outro”.
Rodando sem sair do lugar, Como é Cruel Viver Assim compartilha de alguma forma o potencial não totalmente cumprido dos indivíduos que retrata: possui altas ambições, mas falta uma pitada maior de ousadia para sair do lugar-comum.
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