Crítica: 22 de Julho
Causas e consequências de uma tragédia
Paul Greengrass tem como marca construir filmes altamente tensos que reconstituem acontecimentos reais. Foi assim em Domingo Sangrento (2002), sobre o massacre de cidadãos irlandeses pela tropa britânica em 1972, Voo United 93 (2006), que mostrou como passageiros impedirem um dos ataques previstos por terroristas no 11 de setembro, e Capitão Phillips (2013), no qual reviveu o sequestro de um navio norte-americano por piratas do Somália.
A diferença em 22 de Julho, longa que fez para a Netflix, é que agora abordagem do cineasta vai além da tragédia em si e tenta entender as causas e consequências do atentado que tirou a vida de 77 pessoas na Noruega, em 2011.
A ação que serve de estopim ao longa aconteceu de forma brutal e cruel. Um fanático de extrema-direita primeiramente explodiu uma bomba nos arredores do parlamento de Oslo, capital do país, para instantes depois, aproveitando-se do caos, invadir um acampamento numa ilha próxima, organizado por um partido da esquerda para jovens interessados em política. Gritando palavras de ordem contra a suposta “doutrinação marxista” ocorrendo ali, Anders Behring Breivik atirou sem parar ou fazer distinção entre crianças e adultos.
O filme retrata o ato de forma vigorosa, mas felizmente foge da violência gráfica e sensacionalista. Mesmo assim, este primeiro ato do longa-metragem é uma experiência assustadora. Dali em diante, a ação se concentra em negociações no tribunal para decidir qual é a punição adequada ao criminoso, e no processo de recuperação de um dos sobreviventes, o garoto Viljar (Jonas Strand Gravli). A atmosfera de tensão não se dissipa, graças à edição ágil de William Golbenberg, vencedor do Oscar por Argo.
No papel de Breivik, Anders Danielsen Lie (visto em Personal Shopper) foge de construir um psicopata de gestos afetados e olhar arregalado. Pelo contrário, o terrorista interpretado pelo ator é um homem decidido, que acredita que sua visão conservadora e a defesa de valores nacionalistas e anti-imigração merecem ser defendidos a qualquer custo. A noção de que este é um discurso que apenas cresceu no mundo todo desde os acontecimentos de 22 de Julho dá ao longa uma camada extra de urgência em se falar sobre os perigos de se levar este pensamento às últimas consequências.
Do outro lado da trama, Viljar lida com as sequelas físicas e psicológicas do ataque. O tema aqui é tratado de forma mais sóbria, podendo até mesmo podendo ser considerada fria, em relação ao recente O Que Te Faz Mais Forte, quando Jake Gyllenhaal interpretou uma vítima uma vítima do atentado na maratona de Boston.
Há ainda o primeiro ministro norueguês, Jens Stoltenberg (Ola G. Furuseth), juntando os cacos políticos e sociais da tragédia. Chama a atenção a forma com a qual o personagem lida com a culpa, sem se esquivar da responsabilidade com a comunidade ao mesmo tempo em que não apela para soluções populistas. Um contraste claro com outras figuras proeminentes tão comuns entre os poderosos, sempre à procura de um bode expiatório para livrar a própria pele.
Apesar de estar acostumado a tratar de momentos perturbadores da história recente, Greengrass ainda não perdeu a esperança. O desfecho do longa faz questão de sublinhar este otimismo, ao sugerir que, no longo prazo, o amor vence o ódio. Ainda que pareça difícil de acreditar a cada vez que abrimos o jornal atualmente, estamos na torcida.