Crítica: Eu, Daniel Blake

Crítica: Eu, Daniel Blake

Já começo dizendo que não sou conhecedor da obra do britânico Ken Loach. Sei apenas de alguns detalhes básicos: despontou mundialmente lá em 1969 com Kes e que a classe operária predomina como protagonista em suas obras. Eu, Daniel Blake, novo filme do diretor, figura como sua segunda obra a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, a primeira sendo Ventos da Liberdade. Estreando nesta próxima quinta-feira nos cinemas de São Paulo, há certamente motivos sólidos para o sucesso do longa, mesmo que seu merecimento do prêmio máximo em Cannes fique em cheque.

Dave Johns é Daniel Blake, carpinteiro que é afastado de sua profissão após um severo ataque cardíaco. Lidando com pesada burocracia, o bom moço procura soluções para conseguir seu sustento após ter sua assistência financeira negada. Na jornada conhece Katie, interpretada por Hayley Squires, mãe solteira que cuida de dois filhos após ter sido realocada para Londres, em um apartamento prestes a ruir aos pedaços. Os dois seguem então na luta contra a burocracia diária que enfrentam, na esperança de finalmente conseguirem a justiça que merecem.

Eu, Daniel Blake é um longa bastante simples, construído em situações cotidianas e diálogos coloquiais entre suas personagens. Semelhante ao belga Dois Dias, Uma Noite, cria-se uma forte atmosfera mundana, mas que não acaba por minar a urgência das situações em tela. Não há truques exibidos de câmera, nem uma trilha intrusiva, trazendo trabalho atipicamente contido de George Fenton, conhecido por suas trilhas orquestrais em grandes especiais da BBC. Robbie Ryan, diretor de fotografia que contribuiu com imagens impressionantemente vívidas e simétricas no excelente A Caminho do Oeste, aqui aposta em paletas pouco chamativas, firmando-se no estilo kitchen-sink que já experimentou em longas como Aquário, de Andrea Arnold.

O roteiro de Paul Laverty não é especialmente complexo, mas as duas ótimas interpretações centrais extraem o máximo das situações. Johns faz de Daniel um dos personagens mais imediatamente adoráveis do cinema recente, e Squires constrói com sutileza as marcas do imenso peso colocado sobre suas costas. Loach dá a seus intérpretes o espaço necessário e nunca descamba para o melodrama ao qual outros autores menos maduros não resistiriam usar. Dito isso, a mensagem que quer transmitir acaba por ser extremamente óbvia, principalmente com a conclusão da trama, que não soa merecida mas um tanto desonesta e manipulativa.

Eu, Daniel Blake mereceu a Palma de Ouro? Provavelmente não, mas ainda assim é um belo filme. Simples, contido e cheio de empatia, é um tipo de cinema que, ao menos espero, nunca terá seu fim. O mundo certamente precisa de autores como Loach, que através de suas obras populistas são capazes de evocar no espectador um forte sentimento de compaixão, algo sempre tão necessário para a mudança.

FICHA TÉCNICA
Direção: 
Ken Loach
Roteiro: Paul Laverty
Elenco: Dave Johns, Hayley Squires, Sharon Percy
Produção: Rebecca O’Brien
Fotografia: Robbie Ryan
Montagem: Jonathan Morris
Trilha Sonora: George Fenton
Duração: 100 min
Gênero:  Drama

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.