Crítica: A Lei da Noite

Crítica: A Lei da Noite

No fundo, todos sabíamos que esse dia chegaria: Ben Affleck fez um filme ruim… quero dizer, como diretor. Com o peso do hype criado após a vitória de seu longa anterior Argo no Oscar 2013, Affleck encontrou pressão adicional ao iniciar seu árduo compromisso para com o personagem mais prestigiado da DC Comics e todo seu universo expandido.

Não bastou assumir o manto de Bruce Wayne/Batman, como também assinou para dirigir seu primeiro longa solo como o herói, mas recentemente abandonou o cargo de diretor devido à quantidade de trabalho exigida pelo papel. Estreando como o Homem-Morcego no imenso fracasso crítico Batman vs Superman no ano passado, Affleck pelo menos parecia garantir algum sucesso com os longas O Contador e seu novo projeto, como diretor, produtor e roteirista, A Lei da Noite, datado para estrear no fim de 2016, a tempo da temporada de prêmios.

Apesar da recepção mista de O Contador, devo admitir que foi uma divertida surpresa escapista, com toques de comic-book que enchiam o projeto de uma personalidade própria, além de somar generosos 154 milhões de dólares em bilheteria ao redor do mundo. A Lei da Noite, por sua vez, não se garante nem como prazer culposo, representando um desvio preocupante na carreira de Affleck como realizador. Fora isso, o longa gerou um prejuízo de 75 milhões de dólares para seu estúdio, abrindo em amplo circuito em meados de Janeiro e abocanhando apenas 10 milhões em ingressos.

Baseado na obra homônima de Dennis Lehane, publicada em 2012, A Lei da Noite conta a história de Joe Coughlin, pequeno criminoso de Boston que, após traído por seu chefe e preso pelo próprio pai, constrói seu caminho para o topo ao realocar para a quente região de Tampa, no estado da Flórida, onde também procura vingança. Como sempre, a jornada apresenta ameaças diversas, capazes de botar um fim ao império de álcool e jogos visado por Coughlin.

Em sua primeira meia-hora, A Lei da Noite se sustenta como distração feita para emular os antigos filmes de gângster, inclusive da própria Warner Bros. Na mesma moda que o esquecível Caça aos Gângsters, de Ruben Fleischer, o estilo domina sobre qualquer substância, com figurinos ricos, sets detalhados e tiroteios razoavelmente sangrentos. Outra semelhança imediatamente perceptível é a caracterização bastante caricata da figura mafiosa, com interpretações que abusam de caras e bocas e sotaques acentuados.

Contudo, enquanto Caça aos Gângsters mantinha seu valor modesto de entretenimento ao apostar em um ritmo de desenhos dos sábados de manhã, A Lei da Noite comete o pecado cardinal: ser um filme chato.

O filme descarrilha assim que seu protagonista viaja para o Sul, introduzindo um sem-número de sub-tramas entediantes e sofrendo sob uma condução que aparenta cada vez mais confusa em relação ao tom de sua narrativa. Tais indecisões, acompanhadas do excesso, prejudicam visivelmente o ritmo e estrutura do longa.

Há uma mistura de noir, ação contemporânea e melodrama que poderia ter dado certo nas mãos de um autor de maior destreza. Mas Affleck, que se provou imensamente capaz com os thrillers mais modestos Medo da Verdade e Atração Perigosa, além, claro, do bom drama histórico de Argo, aqui perde vista das próprias limitações e tropeça no material que ele mesmo adaptou (e tais equívocos são mais que habituais em projetos passionais como este).

E se Affleck não tem sucesso em encontrar um tom ou adaptar o material-fonte com coerência, demonstra um desempenho ainda mais limitado como intérprete. Seu Joe Coughlin é a genérica figura do bandido com coração, com leves pitadas de “grande salvador branco” (algo que, ironicamente, foi apontado em meio á divulgação do filme de seu melhor amigo Matt Damon, A Grande Muralha), e o ator evidencia o fardo de suas múltiplas funções com uma entrega desprovida de entusiasmo e muito menos presença. Tornam-se, assim, imperceptíveis as transformações que o personagem deveria sofrer em sua saga do crime, deixando-nos com uma folha em branco. Esperem até ver suas embaraçosas tentativas de humor em meio aos diálogos.

O resto de seu elenco parece mais comprometido, embora sofram com a natureza caricata de suas personagens. Enquanto Zoe Saldana, Sienna Miller e Elle Fanning lidam de maneira equilibrada com seus momentos mais cafonas, Chris Messina vai além de sua transformação física e encarna um estereótipo ambulante como Dion, antigo parceiro-no-crime de Coughlin. E o que dizer de Chris Cooper, que além do pouco tempo de tela como o chefe de polícia Figgis, tem seu arco pessoal encerrado de maneira tão inacreditavelmente patética?

Como contrapeso às suas muitas falhas, A Lei da Noite se beneficia de um trabalho estético caprichado do veterano diretor de fotografia Robert Richardson, além de uma trilha pulsante e interessantemente anacrônica de Harry Gregson-Williams.

Enquanto Richardson, colaborador usual de Tarantino, estabelece visuais especificamente marcantes para os ambientes de Boston e Tampa, com paletas bastante frias e bastante quentes, respectivamente, Gregson-Williams experimenta o uso de temas orquestrais mais clássicos e reminiscentes da antiga Hollywood em meio a elementos modernos e sintéticos presentes no cinema de ação atual.

Por fim, a montagem de William Goldenberg, premiado com um Oscar por Argo, é imensamente prejudicada pela confusão estrutural do roteiro, mas ainda assim apresenta soluções sofisticadas para as instâncias de perseguições e tiroteios.

Como um filme de ação B ciente de seus próprios limites, A Lei da Noite poderia ter sido uma mudança de rumos divertidamente despretensiosa para Ben Affleck. Como um filme ruim glorificado ao nível do mais pomposo drama de época, no entanto, a lei aqui é evitar o tédio de suas mais de duas horas e partir para a bebedeira com os amigos, algo em que Coughlin com certeza não veria mal algum.

FICHA TÉCNICA
Direção: Ben Affleck
Roteiro: Ben Affleck
Elenco: Ben Affleck, Zoe Saldana, Chris Messina, Sienna Miller, Elle Fanning, Chris Cooper
Produção: Ben Affleck, Leonardo DiCaprio, Jennifer Davisson, Jennifer Todd
Fotografia: Robert Richardson
Montagem: William Goldenberg
Trilha Sonora: Harry Gregson-Williams
Duração: 129 min.
Distribuição: Warner Bros Pictures
Gênero: Drama / Ação

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.