Crítica: A Fábrica de Nada
Raiva contra a máquina
A precarização das relações de trabalho é apenas um dos temas urgentes tratados em A Fábrica de Nada, do diretor português Pedro Pinho. A partir da história de um grupo de operários que vê a ameaça do desemprego de perto e tenta pensar em alternativas, o filme reflete sobre a falência do sistema capitalista, com a consciência de que este colapso vai muito além de algo que os ideais da esquerda possam tentar resolver na prática de forma simples.
O cenário é uma comunidade nos arredores de Lisboa, às margens do Rio Tejo, no qual construções industriais se tornaram esqueletos a dividir espaço com prédios residenciais, como sombras de uma promessa de crescimento que agora já não mais se sustenta.
Um desses locais é uma fábrica de elevadores em crise, que precisa demitir seus funcionários da linha de produção para cortar custos. A proposta dos executivos, que chegam lá em carros importados e roupas bem alinhadas, num claro contraste com o estilo de vida humilde dos empregados, é negociar uma rescisão amigável. Porém, nem todos os trabalhadores estão dispostos a receber o que tem direito e serem largados à própria sorte, numa economia assolada pelo desemprego. Instaura-se então uma ocupação grevista.
Partindo no início de uma narrativa naturalista, como se registrasse um documentário sobre este impasse, Pinho vai aos poucos adicionando outros elementos ao filme. Num exercício de metalinguagem, coloca em cena um personagem misterioso, que se revela um cineasta estrangeiro interessado em documentar a greve dos operários e sua tentativa de autogestão da fábrica.
Aos poucos, porém, esta figura de quase alter-ego do diretor intervém nos atos de forma cada vez mais incisiva, de acordo com sua própria ideologia. Chega até mesmo ao cúmulo de propor uma sequência musical no chão da fábrica, em um dos momentos mais inusitados do longa. O que A Fábrica de Nada parece querer dizer é que, num conflito que envolve tantas questões, o observador sempre tentará puxar o ponto de vista que mais lhe for conveniente.
E há um bocado de pontos de vista apresentados durante o filme. Trechos em off de discursos de intelectuais não identificados em tela discutem o momento social deste primeiro quarto de século XXI, algo que uma destas vozes chama de “apocalipse sustentável”, um estado permanente de crise que tem a ver, entre outras coisas, com o aumento de mão-de-obra disponível e a falta de postos de trabalho, uma consequência dos avanços tecnológicos na indústria.
Há uma crítica implícita pelo realizador: enquanto teóricos falam, passando do off a uma longa mesa redonda na segunda metade do filme, quem sofre as consequências na pele de todo este contexto são os personagens, muitos deles interpretados por não-atores que viveram situações parecidas como as retratadas no roteiro.
Ao longo de suas quase três horas de duração, A Fábrica de Nada mistura linguagens não apenas entre ficção e documentário, mas também entre o ativismo e o niilismo punk. É uma obra difusa, extremamente original e que trata questões políticas a partir da condição humana e todas as suas contradições. Por isso mesmo, finaliza sem oferecer soluções mágicas ou apontar caminhos, o que o torna absolutamente realista.