Crítica: A Grande Jogada

Crítica: A Grande Jogada

Jessica Chastain entrega uma atuação cintilante na estreia de Aaron Sorkin como diretor

A esse ponto de sua carreira, o roteirista Aaron Sorkin já criou seu próprio idioma. Seus diálogos verborrágicos e acelerados são aclamados desde o início da década de 90, com o ótimo thriller militar Questão de Honra, primeiro trabalho no cinema. Tendo também criado a aclamada série The West Wing e ganho um Oscar pelo roteiro de A Rede Social, obra-prima de David Fincher, era questão de tempo até Sorkin se sentar na cadeira do diretor.

Com a cinebiografia A Grande Jogada, Aaron Sorkin tem a liberdade de traduzir seu próprio texto para a tela, seja isso bom ou ruim. Baseando-se no livro homônimo de Molly Bloom, Sorkin conta a fascinante história de como Bloom conseguiu criar seu próprio império de jogos de azar. Claro, a minúcia do autor/diretor demanda que o trajeto da protagonista, de atleta caída a ‘rainha do pôquer’ a inimiga pública dos Estados Unidos, seja retratado nos mínimos detalhes.

Ninguém menos que a imponente Jessica Chastain assume o papel de Molly Bloom, consequentemente também narrando o filme, repleto de observações e explicações em off. Na cativante cena inicial, Bloom relata de maneira sardônica o incidente que a tirou do esqui, esporte para o qual treinava desde a infância. O texto é imediatamente sorkinês, com seu tecnicismo habitual e pitadas pontuais de humor. No entanto, o filme é indiscutivelmente de Chastain/Bloom, e qualquer elemento introduzido pelo texto ou pelas imagens giram em torno desta.

Como no recente Armas na Mesa, Chastain também demonstra um domínio admirável de seu texto em A Grande Jogada. Mesmo sob a visão de um autor como Sorkin, que transparece frequentemente através de seus personagens, a atriz traz uma presença inconfundível a Bloom, construindo-na como uma mulher forte, dura na queda, que mesmo em desvantagem é capaz de blefar e convencer seus oponentes de que está com a melhor carta. Idris Elba, então, é uma digna contraparte, em sintonia com os ritmos de Sorkin e Chastain (apesar do sotaque escorregadio aparente durante seu ótimo monólogo).

Respeitando a competência de seu elenco, Sorkin então assume uma direção de cena segura, com a câmera quase sempre fixa e planos que acompanham suavemente o movimento de seus atores. O virtuosismo acelerado do autor, na verdade, é refletido na montagem, que, ritmada em curtos planos, favorece ação sobre reação. Com a ajuda da diretora de fotografia Charlotte Bruus-Christensen, que trabalha elegantemente com diálogos assim como com os inúmeros planos-detalhe, Sorkin estreia com estilo na direção.

Contudo, é na sua maior força, o roteiro, que estão também suas fraquezas. Se a construção da persona profissional de Molly Bloom fascina, um certo sentimentalismo cafona de Sorkin acaba por prejudicar seus conflitos internos com o exigente pai, bem-interpretado por Kevin Costner. Sente-se em A Grande Jogada a mesma relação água-óleo entre sobriedade e sentimentalismo vista em trabalhos recentes, como o inconsistente seriado The Newsroom. Com o ótimo desenvolvimento comprometido com a personalidade metódica e lúcida de Bloom, a melosidade salta aos olhos como falsa nesse ato final, que também traz uma fraca cena de veredito (algo que Sorkin já demonstrou ter força).

A Grande Jogada ainda assim atinge as expectativas de um típico trabalho de Aaron Sorkin. Embora o autor encontre melhores nomes para transpor seus textos à tela, como Fincher e Danny Boyle, mostra-se como um entendedor de seu próprio ritmo, apesar dos excessos (o filme atinge a marca dos 140 minutos!). Mais que tudo, é um eficiente veículo para Jessica Chastain, uma das mais fortes atrizes americanas de hoje, esbanjar suas características imponência e elegância, expressões estas que descrevem, também, a persona de Molly Bloom.


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Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.

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