Crítica: Alfa
Ainda que com problemas sérios em seu enredo, filme agrada com belíssimas paisagens e história emocionante
Estamos fartos de saber que nem sempre uma premissa interessante e cenários bonitos garantem um ótimo resultado. A história de Alfa foi idealizada pelo próprio diretor, Albert Hughes, porém o primeiro (e provavelmente maior) problema, foi a decisão de designar a função de roteirista ao estreante Daniele Sebastian Wiedenhaupt. Sua visão da história nos surpreende da pior maneira ao trazer uma relação entre um homem e um lobo bem diferente do que esperamos a partir de trailers, imagens e qualquer outro meio de divulgação e marketing do filme.
Há 20.000 anos atrás, na Europa durante o período paleolítico, um jovem se fere, fica inconsciente e é deixado para morrer por sua tribo. Ao acordar ele se vê desprotegido, e tenta encontrar formas de continuar vivo e se guiar por desertos cheios de perigo. Após controlar um lobo selvagem, aos poucos os dois ganham confiança um no outro, e se tornam aliados improváveis, enfrentando ameaças de todos os lados e lutando contra as forças da natureza, para poderem voltar para casa antes que um forte inverno se aproxime.
Apesar de uma resolução comovente, o segundo ato (onde ocorre de fato a construção da relação entre o lobo e o homem) conta com mínimos momentos realmente envolventes, além de uma abordagem que afasta o espectador de se identificar com o personagem principal. São diversas cenas em que o jovem se sobrepõe ao lobo, se colocando como um ser superior que age da forma como quiser, algo que contrasta com a caracterização do personagem durante o primeiro ato: a de um homem aparentemente sensível. Claramente o conhecimento e vivência daquele personagem é bem diferente da nossa, afinal existe um abismo de 20 mil anos entre nós, seres menos instintivos. Porém essa escolha não deixa de despertar uma certa raiva e revolta com as atitudes do personagem principal, o que é bem complicado num filme, ainda mais de aventura dramática.
Não somente o segundo ato é problemático, como também o extenso primeiro ato que nos apresenta a vida e a tribo do jovem através de um flashback desnecessário, que apenas ocupa quase 30 minutos de filme em prol de mostrar-nos quanto aquela sociedade é primitiva, e por meio de convenções que já conhecemos: a necessidade de aprender a caçar, de ser um líder, de não se acovardar, entre outras. É só durante o primeiro ato que entramos em contato com outros personagens além do principal, e é triste como as péssimas atuações prejudicam nossa imersão. Num pequeno conglomerado de pessoas, presenciamos personagens sem empatia, além de atores que parecem não se esforçar sequer para trazer uma expressão facial mais realista, de medo, preocupação. Nem o esforçado Jóhannes Haukur Jóhannesson (de Os Inocentes) consegue convencer.
Pequenos seriam os problemas de Alfa se as carências interpretativas fossem apenas dos atores coadjuvantes. O próprio protagonista, Kodi Smit-McPhee, que está presente em praticamente todas as cenas do filme, quase não traz traços de insegurança e pavor em seu olhar, embora represente um personagem que está se virando sozinho pela primeira vez, diante de um ambiente cruel. Como se não bastasse, o roteiro ainda erra feio ao encarregar o personagem de pronunciar diálogos completamente insignificantes e expositivos quando o mesmo está com o lobo. Diálogos esses que até mesmo ajudam no afastamento do público para com as ações do personagem.
A direção de Hughes muitas vezes implica em uma troca de planos próximos do jovem e do lobo, e poucos planos gerais que enquadram os dois. Isso, apesar de nos distanciar um bocado do impacto visual que reflete a amizade entre os dois, pelo menos serve pra espelhar a calmaria do ambiente e o desgaste do homem e do lobo através de planos curtos e de pouco ou nenhum movimento. A fotografia, por sua vez, nos ambienta em locações externas arrebatadoras, que refletem sua imensidão com uma iluminação de tons frios à noite, e calorosa durante o dia/tarde. Já a direção de arte, acerta com uma maquiagem realista, porém peca com uma execução de figurinos que em momentos aparentam ser muito modernos para a época, ou estarem muito limpos para as condições vividas pelos personagens.
Assim como o final do filme, a trilha musical de Joseph S. DeBeasi é inspiradora e comovente, garante o mergulho necessário para que o espectador não saia de mãos vazias e possa absorver uma ou outra emoção após se ver diante de um roteiro previsível e problemático. Na minha opinião, com essa premissa em mãos, seria bem mais interessante ter conferido um filme que coloca o lobo e o homem como seres iguais perante a natureza, não forçando uma relação de submissão do lobo. Seria mais interessante deixar o silêncio falar por si mesmo nas cenas entre os dois, ao incluir diálogos supérfluos num personagem principal fraco e mal interpretado.
De um jeito ou de outro, Alfa é um bom filme para ver com a família e se deixar levar por paisagens de encher os olhos. Ao menos fará os cinéfilos menos exigentes e os amantes por caninos se emocionarem com essa história repleta de aventuras.