Crítica: Amor à Segunda Vista

Crítica: Amor à Segunda Vista

A vida em perspectiva

Amor a segunda vista critica

Alguém que se afastou da melhor face de sua personalidade é forçado a rever as coisas por outra perspectiva ao se ver numa realidade paralela, onde acorda num passe de mágica e vive uma versão alternativa de si mesmo. Este subgênero cinematográfico que até hoje tem como representante máximo o clássico A Felicidade Não Se Compra, dirigido por Frank Capra em 1946, além de títulos como Um Homem de Família (2000) e De Caso com o Acaso (1998), é explorado novamente no francês Amor à Segunda Vista.

O flerte do diretor Hugo Gélin com um cinema tipicamente norte-americano e com elementos de fantasia começa logo no prólogo, com uma sequência que emula o universo da ação e ficção-científica hollywoodiano para apresentar as histórias que o protagonista Raphaël (François Civil) escreve, ainda nos tempos de colegial.

Preso num bloqueio para terminar o livro, ele é aconselhado pelo melhor amigo, Felix (Benjamin Lavernhe), a adicionar um interesse amoroso ao herói. Quando Raphaël se apaixona por Olivia (Joséphine Japy) na vida real, encontra a inspiração para incluir uma versão da garota em sua ficção e a obra decola. 

Uma bela montagem em formato de clipe musical resume os dez anos seguintes: o casal inicia carreiras de sucesso – ele na literatura, ela na música -, mas não demora para o protagonista negligenciar sua companheira. Vem uma discussão e, no dia seguinte, Raphäel desperta como um simples professor, como se nunca tivesse conhecido a esposa, agora uma renomada pianista.

O roteiro segue então a fórmula tradicional: o personagem principal vai aprontar algumas confusões até se dar conta do que está acontecendo, tentará convencer todos à sua volta de que não enlouqueceu e quebrar a cabeça para arrumar uma maneira de voltar para a rotina que levava antes.

Amor à Segunda Vista não foge à regra, mas cumpre o papel de divertir. As tentativas de reaproximação de Raphaël para conquistar novamente Olivia são conduzidas de forma orgânica e gradativa, aproveitando-se das quase duas horas de duração do filme. A direção de Gélin é claramente dialogar com o grande público, sem ter que nivelar a obra por baixo. A fotografia cria um clima solar, e o ambientes limpos e coloridos ajudam a compor a atmosfera leve proposta pelo cineasta.

Os momentos cômicos aparecem em gags visuais ocasionais, como numa cena que envolve um extintor e num passeio de bicicleta, ou então na figura do personagem fanfarrão interpretado por Lavernhe, ator que faz parte do grupo teatral La Comédie-Française. Já o entrosamento do casal protagonista torna o romance crível, fundamental para se sobrepor à premissa surreal.

Como acontece em filmes desse tipo, é normal o espectador sair da sessão percorrendo as escolhas que fez em sua própria vida e tentar adivinhar a quais caminhos uma opção diferente teria levado. O exercício para alguns soa inútil, mas, no fundo, ajuda a dar valor às coisas boas que conquistamos. O mesmo pode ser dito do filme.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil