Crítica: Stranger Things (3ª Temporada)

Crítica: Stranger Things (3ª Temporada)

Os anos 80 passam bem

Stranger Things critica

O quão difícil pode parecer encontrar meios de agradar e surpreender uma legião de fãs com cenas emocionantes que valorizem e mantenham um espírito único de união entre treze personagens principais e diversos arcos desenvolvidos em duas excelentes temporadas, e ao mesmo tempo trazer novas questões e reflexões pertinentes em seu enredo, sem perder suas referências? Parece ser uma tarefa árdua para diversos diretores e roteiristas profissionais, mas aparentemente não tanto quando se trata da competente equipe por trás de Stranger Things.

Após a rápida aparição do Devorador de Mentes durante o baile de formatura no final da segunda temporada, a história acompanha uma possível energia sobrenatural vinda do mundo invertido para aniquilar toda a população de Hawkins. Aos poucos, nossos queridos personagens, tanto os adolescentes, que não são mais crianças (algo enfatizado por Joyce em um diálogo com Hopper), quanto os adultos, deixam sua zona de conforto e começam a ter noção do perigo que cerca a cidade. Da falha de imãs de geladeira e roedores raivosos a um misterioso monstro gigantesco, a terceira temporada não demora para conquistar nossa atenção e nos prender durante oito interessantíssimos episódios.

O que já vinha se formando gradativamente desde a temporada anterior, se confirma nesta terceira temporada ao percebermos um enfoque cada vez maior nos adultos e na variedade de personagens que a série soube elaborar com tanto carinho, e que caíram no gosto dos fãs. Isso é, por um lado, bom, pois prova a qualidade do roteiro em não se prender ao que já conhecemos, e saber construir, de maneira original, personalidades diferentes que agradam à sua maneira própria.

Porém, por outro lado, é triste saber que personagens como Eleven, Will, Mike, Lucas, Dustin (e até Max) perdem boa parte de seu protagonismo absurdo visto durante a primeira temporada, o que aos olhos de muitos era a maior qualidade de Stranger Things: trazer a nostalgia dos anos 80 por meio do gigantesco espírito de união juvenil provindo de referências de clássicos como Os Goonies e Conta Comigo, onde os adultos são meros coadjuvantes.

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Temos nesta nova temporada a inclusão de novos personagens como o prefeito Kline (Cary Elwes, de A Princesa Prometida), a colega de trabalho de Steve, Robin (Maya Hawke, filha da atriz Uma Thurman e do ator Ethan Hawke), os membros do jornal da cidade, e diversos personagens russos. Dividindo a narrativa em núcleos diferentes como sempre fez, o roteiro explora os desafios pessoais e interpessoais de cada personagem.

Enquanto Max, Lucas, Mike e Eleven tentam aprender com o início de seus relacionamentos amorosos, Will, que pela primeira vez não se encontra perdido no mundo invertido, luta contra o fato de que ainda assim se sente deslocado de seus amigos. Dustin, que continua sendo o maior representante dos alívios cômicos da série (ao lado de Erica, irmã de Lucas), com a ajuda de Steve e Robin, tenta decifrar os segredos de uma mensagem russa interceptada por seu rádio, e Jonathan e Nancy, que agora são estagiários no jornal da cidade, tentam desvendar um mistério envolvendo uma idosa e ratos raivosos.

Assuntos como a dificuldade de se viver em um ambiente machista, as dificuldades de amadurecer e de aceitar opiniões contrárias, o peso dos traumas que vivemos em nossa própria família, entre outros, sobram na mão dos roteiristas e se encontram na busca pela satisfação pessoal de cada personagem. No geral, dosando com sabedoria nas cenas comoventes, na adrenalina em suas sequências de ação, no horror e mistério contido em cada episódio, e no humor levemente inserido nos diálogos dos personagens, a série nos abraça confortavelmente ao nos garantir que manteve sua qualidade e sua abordagem sincera, tocante, e ouso dizer até necessária, visto o caminho de nosso cada vez mais conflituoso e problemático convívio em sociedade.

Dinâmica e imperceptivelmente, somos levados pela trama bem amarrada, que sabe juntar seus acontecimentos quando preciso, além do efetivo apelo visual e sonoro da série. Tudo parece funcionar perfeitamente. A frequente sensação de bem estar ao assistir aos episódios se justifica nas entrelinhas do enredo, que nos presenteia com a valorização do espírito leve, jovial e nostálgico da obra (visto suas belíssimas referências), dos sacrifícios em prol da amizade, e do carinho com que cada personagem principal e secundário é tratado. Com a mesma sensibilidade das primeiras temporadas e um domínio notável da direção que valoriza o suspense de suas cenas e o drama de seus personagens, Stranger Things continua impressionando seus fãs e adquirindo novos espectadores.

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João Pedro Accinelli

Amante do cinema desde a infância, encontrou sua paixão pelo horror durante a adolescência e até hoje se considera um aventureiro dos subgêneros. Formado em Cinema e Audiovisual, é idealizador do CurtaBR e co-fundador da 2Copos Produções. Redator do Cinematecando desde 2016, e do RdM desde 2019.