Crítica: Anos 90

Crítica: Anos 90

O skate como rito de passagem

critica Anos 90

Mesmo que Jonah Hill já não seja visto mais como apenas o garoto das comédias adolescentes Superbad – É Hoje e Anjos da Lei, e tenha conquistado duas indicações ao Oscar de ator coadjuvante (por O Homem que Mudou o Jogo e O Lobo de Wall Street), não deixa de ser uma surpresa vê-lo estrear de forma tão competente dirigindo um longa, como faz neste Anos 90.

Utilizando-se de uma estética quase documental que lembra trabalhos de cineastas que já filmaram o cotidiano de garotos dos subúrbios norte-americanos, como Gus Van Sant (Paranoid Park) e Larry Clark (Kids), Hill acompanha Stevie (interpretado por Sunny Suljic), um adolescente ingênuo que começa a explorar o mundo fora dos limites de sua família quando entra para uma turma de skatistas alguns anos mais velhos.

Como o título sugere, a década de 90 impregna cada elemento do filme, do figurino à trilha sonora que toca de forma quase ininterrupta e junta nomes emblemáticos do período, como Cypress Hill, Pixies e Nirvana, numa espécie de mixtape de ambientação.

Por mais que haja um toque de nostalgia nesta escolha de olhar para trás e voltar à última geração que chegou a um mundo sem internet ou celulares, este não é o principal atributo do longa. O que chama atenção é a sensibilidade de Hill, também autor do roteiro, em contar essa história dosando humor e drama para retratar figuras errantes com testosterona em ebulição.

Predominantemente masculino, Anos 90 começa logo de cara com Stevie apanhando de seu irmão mais velho, Ian (Lucas Hedges), na casa onde vivem com a mãe (Katherine Waterston). A cena se repete algumas vezes, e se torna cada cada vez mais dolorosa à medida que vemos a devoção que, no fundo, o protagonista tem pelo irmão.

Sufocado por este contexto caseiro, Stevie vê um universo novo de possibilidades se abrir quando é acolhido no grupo liderado por Ray (Na-kel Smith) e Fuckshit (Olan Prenatt), os dois skatistas mais habilidosos da região. A atividade esportiva vira então uma grande metáfora para seu crescimento: ele vai aprender a se equilibrar e parar em pé, mesmo que alguns tombos no meio do caminho sejam inevitáveis.

O filme não força a mão nesse simbolismo, apenas vai encadeando pequenos ritos de passagem, como uma queda violenta que ao mesmo tempo em que quase quebra a cabeça de Stevie o faz ganhar pontos com os amigos, e a primeira experiência com uma garota.

Hill e o montador Nick Houy sabem muito bem quanto mostrar e o quanto ocultar de cada um destes momentos, deixando muitas vezes a ação pela metade, para que o espectador complete o resto em sua imaginação, num convite a construir a experiência em conjunto com o que está na tela.

Numa época que tem sido pródiga em revelar atores com olhares apurados também na direção, como é o caso de Greta Gerwig (Lady Bird), Bradley Cooper (Nasce uma Estrela) e Paul Dano (Vida Selvagem), Jonah Hill é mais um nome que entra na lista.

Diego Olivares

Crítico de cinema, roteirista e diretor. Pós-graduado em Jornalismo Cultural. Além do Cinematecando, é colunista do Yahoo! Brasil