Crítica: Artista do Desastre

Crítica: Artista do Desastre

James Franco brilha em adaptação convencional dos bastidores de um dos piores filmes já feitos

The Room é um péssimo filme. Realmente desastroso. A ponto de gerar descrença com o que se vê em tela. Por isso mesmo, revê-lo é uma atividade estranhamente viciante. Lançado em 2003, o longa do enigmático Tommy Wiseau ganhou, com o tempo, um merecido status cult. Plateias vão em massa às sessões de cinema na madrugada, aclamando sua ruindade de maneira quase religiosa. No entanto, há muito mais por trás de The Room, e uma adaptação cinematográfica de seus bastidores era praticamente inevitável.

10 anos depois da estreia de The Room, um de seus protagonistas, Greg Sestero, publicou o livro The Disaster Artist, no qual relatava sua experiência pessoal e profissional com Wiseau na passagem do século. Tal livro é a principal fonte de inspiração para Artista do Desastre, comédia dirigida e protagonizada por James Franco, que encarna a estranhíssima figura de Wiseau.

Como na maioria das transições entre literatura e cinema, ou melhor, realidade e cinema, Artista do Desastre é uma obra que toma diversas liberdades criativas para deixar sua história mais cinemática, além de condensá-la. Há duas faces para essa moeda: embora o filme conte com um ritmo bastante agradável e alguns ótimos momentos de humor, aqueles que procuram um tipo de insight aprofundado sobre a história que o inspirou podem se decepcionar. Com 104 minutos de duração, no entanto, o longa de Franco consegue cobrir uma variedade de situações com bastante confiança e equilíbrio.

Indicado a 2 Globos de Ouro, sendo estes o de Melhor Comédia e Melhor Ator de Comédia, Artista do Desastre ainda é uma presença bastante inesperada nesta temporada de prêmios. Assim como o agradável Doentes de Amor, trata-se de uma comédia dramática bastante despretensiosa, desde seu roteiro (assinado pelos competentes Scott Neustadter e Michael H. Weber) às atuações (com direito a diversas pontas curiosas) à execução (a fotografia de Brandon Trost é positivamente despojada). É o maravilhoso retrato do processo criativo que alguns tem dito? Com certeza, não. E isso não é um problema, afinal.

A direção de James Franco, embora eficiente, é um dos pontos mais fracos de Artista do Desastre. Responsável por mais de uma dezena de filmes, todos bastante criticados, Franco encontra aqui um apoio no sólido material adaptado por Neustadter e Weber. Sua decupagem é pouco criativa e não há momentos visualmente memoráveis. Além disso, sua escolha de um novo final para o filme (divergente do roteiro inicial) acaba soando artificial, oferecendo uma redenção para Tommy que, ressaltando a força de sua amizade com Greg, acaba por destoar da abordagem razoavelmente realista e tensa de seus comportamentos tóxicos no set de The Room e também na vida pessoal.

A conclusão também conta com o (obrigatório) compilado de imagens reais e letreiros ligeiramente inspiradores, acompanhados da genérica e açucarada trilha de Dave Porter (que fez ótimos trabalhos televisivos), o que realça a sensação de que tudo que se viu antes era um mero faz-de-conta. Nem todos podem encontrar um problema nisso, mas é algo cuja execução pessoalmente me incomoda na maioria dos filmes inspirados em histórias reais.

Contudo, Artista do Desastre conta com uma grande qualidade, que chega a quase ofuscar suas limitações: James Franco como Tommy Wiseau. Sem se comprometer a uma recriação exata do sujeito real e mais como uma reinterpretação a la Jesse Eisenberg/Mark Zuckerberg, Franco prova mais uma vez sua força como ator cômico, construindo seu Wiseau como um possível alienígena na Terra. Enquanto é discutível que sua interpretação seja um tanto exagerada em certos trechos, Franco ainda apresenta certa sutileza em muitos outros, deixando a impressão de um passado tortuoso para o personagem, tornando sua versão de Wiseau mais interessante do que se esperava. E apesar de ter zero semelhanças com Sestero, Dave Franco também se segura frente ao irmão.

Outros membros do elenco também fazem seu melhor com os pequenos papéis que tem: Seth Rogen é um canhão de boas frases de efeito; Jackie Weaver encabeça um momento de interação surpreendentemente terno entre o elenco de The Room; Jason Mantsoukas e Hannibal Buress são donos interesseiros de uma loja de equipamentos audiovisuais; a comediante Ari Graynor captura a essência de Lisa/Juliette, além de refletir a ingenuidade da atriz aspirante sem depreciá-la. Há também outras participações de respeito, como Zac Efron, Nathan Fielder e principalmente Josh Hutcherson, mas listá-las em sua integridade levaria alguns parágrafos.

Acreditem ou não, já devo ter visto The Room umas três vezes. A cada vez, percebe-se algo novo em sua inacreditável incompetência. Espera-se que Artista do Desastre também tenha algum valor de “replay”, justamente por sua competência e despretensão, coisas que faltaram no cult de Tommy Wiseau. Não chega a ser divertido como Os Picaretas ou profundo como Ed Wood, mas o filme de James Franco pode introduzir muitos novos fãs à cultura do “tão ruim que é bom”.


Trailer

Caio Lopes

Formado em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). É redator no Cinematecando desde 2016.

Um comentário em “Crítica: Artista do Desastre

Comentários estão encerrado.